
A miséria também tem seu retrato.
A meu ver, uma das manchetes mais chocantes mostradas pela televisão brasileira no ano de 2013 foi veiculada no NE-TV, da Rede Globo, onde um morador de rua foi brutalmente assassinado porque queria dividir uma lavagem entre os porcos e a sua família. A matéria foi divulgada em alguns jornais do estado, mas logo caiu no esquecimento. E sabem por quê? A resposta é simples. O déficit social existente entre governantes e governados é tão assustador que essas manchetes já não conseguem sensibilizar a nossa sociedade. É como se estivéssemos acostumados a uma rotina dura e cruel, na qual os seres humanos vão perdendo a sua capacidade de enxergar e clamar pelos seus direitos.
E o que dizer da matéria estampada no Jornal do Comércio, em novembro do mesmo ano, quando vimos uma criança de 9 anos afogada num mar de lixo do Canal do Arruda, tentando recolher latas de alumínio misturadas a todo tipo de dejetos? Assim como a criança da foto – até difícil de ser localizada no meio do lixo – são dezenas, centenas que vivem de catar podridão nos fétidos canais do Recife, mostrando como se perde a batalha para salvar uma infância condenada.
A revista internacional Forbes divulgou pesquisa anual sobre os países mais felizes e os mais tristes do mundo. Noruega, Suíça, Canadá, Suécia e Nova Zelândia são os cinco primeiros do bloco privilegiado. No bloco oposto estão Chade, República Centro-africana, Congo,Afeganistão e Burundi. O Brasil está em 46º lugar, uma posição que mostra o enorme caminho ainda a ser percorrido e que poderia ser pior se entrassem como fator de avaliação dados como os citados nos parágrafos anteriores.
A leitura das imagens no Canal do Arruda é um libelo acusatório. Sobretudo contra a elite dirigente do País, culpada por crime doloso, com todos os agravantes que se puder imaginar. Mesmo que fosse apenas aquela pequena criança, o crime já estaria agravado pela omissão contra a humanidade, pela agressão aos mais elementares princípios constitucionais, com incursão no Estatuto da Criança e do Adolescente e, até mesmo, pela tipificação na lei de proteção aos animais.
Contrastando com essa dura realidade, vemos a contemplação de grupos privilegiados pelo acesso que puderam ter aos equipamentos sociais e aos recursos da educação, do trabalho e da renda, que se distinguem pela locupletação de recursos públicos através de empregos muito bem remunerados, algumas vezes com superação do teto constitucional, simplesmente porque situados no alto da pirâmide dos poderes da República.
No flagrante de crianças mergulhadas no Canal do Arruda, tentando tirar dele alguma coisa que ajude na sobrevivência do conjunto maior, a família de excluídos, fica definitivamente estabelecido que não podemos aceitar que a nossa felicidade seja medida pela alegria fortuita do futebol, o descontrole da folia carnavalesca regada a bebida alcoólica, ou festanças que passam rápidas e nada deixam de bom.
Enquanto a miséria persiste, consolida-se e se ramifica, estamos expondo as vísceras de um país que joga para um futuro incerto qualquer probabilidade de um dia poder figurar entre os países mais felizes do mundo.
Danizete Siqueira de Lima
Recife-PE
