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CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
Esquina do Brasil I – Porto Velho
A cidade de Porto Velho, capital de Rondônia, fundada há um pouco mais de 100 anos é uma cidade com várias particularidades e muitos encantos. Nesta crônica vamos demostrar que existe, na região, um Brasil que merece ser desvendado e de onde poderemos extrair belas lições.
O complexo formado às margens do majestoso Rio Madeira representado por várias construções antigas e pelo museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré narra a história de um investimento que custou muitas vidas, altos custo para o tesouro e que deixou uma obra inacabada e com pouca serventia, a cara do Brasil.
O mercado de produtos regionais e ervas medicinal assim como as ruas em volta comprovam a importância dos rios na formação das cidades da região amazônica, tudo ou quase tudo gira em torno deles.
Porto Velho é uma cidade com vários sotaques e passa atualmente por alto índice de crescimento econômico, principalmente em função da Usina Hidroelétrica de Jirau. Sua população é composta de descendentes dos imigrantes das demais regiões do país que vieram para região no período da fundação e durante a expansão ocorrida na construção da rodovia Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco, obra iniciada por JK nos anos 60 e asfaltada somente no início da década de 80.
No entanto quero registrar dois fatos positivos que ocorreram no curto espaço de tempo (25/28.07.14) que estive na capital dos rondonienses, tirem suas conclusões caros leitores.
Em virtude ter antecipado em três horas o horário da chegada, na recepção do hotel fui autorizado entrar no apartamento uma vez que o funcionário, de forma não convencional afirmou: “Pode subir para o quarto reservado que darei entrada no horário marcado”. Este tipo de atenção para com os clientes é raro, normalmente o hóspede fica na recepção esperando o horário, foi gratificante o atendimento recebido.
Peguei um coletivo e pedi para avisar no ponto próximo do Shopping. Ao chegar ao final de linha a cobradora descobriu que eu não havia descido e prontamente disse: “Espere um pouco que na volta eu aviso”. Para minha surpresa o motorista colocou-me em outro ônibus, pela porta da frente e avisou ao colega que desse o alerta no ponto por mim solicitado.
Pela forma que fui tratado nas duas situações minha passagem pela “Pérola do Madeira” ganhou um contorno especial. O cidadão foi reconhecido como tal, os valores pecuniários envolvidos viraram detalhes insignificantes. Estas lições poderiam ser utilizadas por prestadores de serviços similares no Brasil que se julga superior.
Por: Ademar Rafael
CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
Por absoluta falta de adjetivos para qualificar o livro “Cenário de Roedeira”, de Zé Adalberto vou caminhar por um “campo” imaginário que compara a arte do poeta do Juá com uma fruteira que hoje habita nosso estado, especialmente o Vale do São Francisco.
Vamos imaginar que a inspiração ilimitada de Zé Adalberto seja uma videira e que as uvas ali produzidas ofertaram-nos um suco de valor incalculável para alimento da alma em “No caroço do Juá”.
Como é farta a produção outras uvas foram separadas para produzir um vinho raro. Os amantes desta bebida defendem a tese de uma lenda sobre a apreciação do vinho que envolve os cinco sentidos.
Se na lenda ao segurarmos a taça usamos o “tato”, Zé Adalberto entre outros momentos registra nos versos para o tema “O seu rosto me lembra o por do sol”, esta pérola: “… Com a isca de um beijo apaixonado/ consegui lhe fisgar sob um lençol…”, é muito tato.
Segundo a “estória” ao olharmos a cor do vinho fazemos uso da “visão”, neste quesito nosso Zé foi longe em “Mais eu sinto que falta ver ainda”, vejam caros leitores: “… Mais eu sinto que falta ver ainda/Como é que ela faz pra ser mais linda/Quando eu fico pensando que lhe vejo.”.
De acordo com a tese do vinho x sentidos os aromas da bebida acionam nosso “olfato”, ao afirmar “Ela é a razão das razões minhas/A beleza maior do meu retrato/O perfume melhor por meu olfato…” o poeta de Itapetim resgata esta outra dívida.
Para atendermos o “paladar” os amantes da lenda apontam o sabor da bebida e Zé Adalberto encaminha a solução deste problema ao dizer: “… A saliva mais doce da gamela/que engenho do beijo tem moído…”, nada escapa da sua lupa poética.
E a “audição”? Os enófilos asseguram que o som produzido com o contato das taças durante o brinde aguça tal sentido. Aqui Zé Adalberto extrapolou todas as regras ao contar as batidas de um coração que torce pela adversária, vejam: “Esse meu coração só pensa nela/Apesar de bater em meu reduto/Cento e vinte pancadas por minuto/São as vinte pra mim e cem por ela…”.
No livro os também poetas Dedé Monteiro, Ésio Rafael, Alexandre Morais e Genildo Santana, com autoridade, definiram a obra com exemplar clareza. Nesta crônica espero ter despertado os sentidos de cada leitor para leitura de “Cenário do Roedeira”. Zé Adalberto, não é por acaso que você vai do “A” ao “Z”, na forma invertida, és completo amigo.
Por:Ademar Rafael,
CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
Voto é coisa séria.
Um político da minha região em Pernambuco fez uma visita ao “seu” Deputado Federal para pedir umas emendas. Foi bem recebido no gabinete, mas, ao formular o pedido ouviu: “Caro amigo os votos que recebi em sua cidade foram muito bem pagos, proporcionalmente foram os mais caros. Portanto, nosso compromisso cessou no final do pleito.”.
Um empresário do agronegócio ao chegar a uma nova fronteira agrícola foi ao Banco do Brasil e apresentou uma proposta. Trinta dias depois o gerente deu o veredito: “Amigo não temos como atender o seu pleito, você não é conhecido na região, tivemos dificuldade para coletar informações a seu respeito. Vamos aguardar um pouco mais, quem sabe no próximo ano”. O empresário rural coçou o queixo e disse: “Ficou difícil, em minha região anterior não era atendido com crédito porque as pessoas me conheciam, aqui não recebo o empréstimo em função de não ser conhecido”.
Estas duas “estórias” servem de base para a tese a ser defendida nesta crônica, que se destina aos eleitores da nossa região. Caros amigos ao entrarem na cabine de votação evitem votar em políticos com o perfil do que citamos no paragrafo inicial, assim como fuja daqueles que quando mais conhecemos mais percebemos que não merecem confiança.
Enquanto o voto distrital não chega vamos votar em quem realmente tem compromisso com nossa região, chega de políticos “Copa do Mundo”, aqueles que aparecem de quatro em quatro anos, esqueçamos os candidatos representados por “cabos eleitorais”, vamos votar em pessoas que sabemos onde mora, que temos informações sobre seus atos e, principalmente, que possamos medir o grau de responsabilidade com nossas causas no curto e longo prazo.
É hora de nos orgulharmos dos votos dados, político nenhum se arrepende de votos recebidos, o arrependimento sempre fica com o eleitor. Nossa região, nosso Estado e nosso Brasil jamais mudarão somente pelo voto. O voto é uma das ferramentas da democracia, não foi não é e nunca será a única. Quando é feito de forma “irresponsável” o dano torna-se irreparável, façamos uso deste instrumento democrático em favor do coletivo, jamais do interesse particular, assim procedendo as mudanças que carecemos terão espaço para acontecer.
O processo eleitoral no Brasil tem muitos vícios, alguns deles alimentados pelos eleitores que em nome do imediatismo são tentados a votar no candidato “bonzinho”, aquele que ajuda. O gestor público sobe pelo voto e pelo voto cai, quem segura este “controle remoto” precisa fazer valer a sua força. Pesem antes do voto, depois é tarde.
Por: Ademar Rafael
CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
Só o voto não basta.
Sou do tempo que para um candidato ganhar uma eleição carecia somente de votos. Atualmente para sair vitorioso em um pleito o candidato tem que contar com muito dinheiro e uma banca de ótimos advogados, o voto virou detalhe. Romper o labirinto da legislação eleitoral é a mais árdua tarefa em tempo de urna eletrônica.
Enquanto no mundo corporativo a ordem é utilizar o bom senso e a simplificação dos processos no modelo eleitoral brasileiro a tônica tem sido um exagerado legalismo por meio de uma legislação que determina horário, tamanho de cartazes, formas de apoio financeiro, prestação de contas e outras “baboseiras” que de tão rígidas estressam o sistema.
Entre a data da apuração dos votos e o dia da diplomação os ganhadores ficam reféns de um modelo perverso, insano e feito por um bando de legalistas que tentam numa colcha de retalhos de Leis, Resoluções, Portarias e outros “artefatos” suprir a ausência de valores morais e éticos que grassa no meio político nacional.
Os fabricantes de candidatos, os populares marqueteiros, e os juristas do comitê da campanha criam “verdades” em favor dos seus patrocinadores e “mentiras” contra os adversários. Os incautos julgam que o rigor da legislação legitima a vitória, muitas vezes obtida nos tribunais. É assustador o crescente número de empossados que receberam votação inferior e foram agraciados com decisões judiciais.
A batalha é iniciada no registro das candidaturas, segue durante a campanha, alcança o auge na véspera e no dia do pleito. Um deslize pode ser fatal e no afã de ganhar a tentação é grande. Todos burlam a
legislação, alguns provam o contrário outros não. É neste ponto que aparecem os juristas que superam a vontade popular, a importância do voto sai de cena.
As provas que a legislação é “falha” são as modificações de sentenças das instâncias inferiores. Decisões de Juízes Eleitorais são reformuladas nos Tribunais Regionais e as destes são alteradas pelo Tribunal Superior
Eleitoral e pelo Supremo, com alegações que sugerem análises de processos distintos, uma tese é ”desconstruída” com facilidade, uma prova decisiva rapidamente perde o sentido, pense num cipoal.
A pergunta que fica é: “Porque a legislação não é simplificada, voltando o poder para o eleitor?” A resposta é óbvia: “Muita gente ganha dinheiro com a situação posta”. Uma defesa custa muito dinheiro e assim caminham nossos “sofridos” políticos em direção aos sonhados assentos. Aplausos para democracia à moda brasileira.
Por:Ademar Rafael
CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
Relatos reais.
Na época que trabalhava com o amigo Dimas Mariano de Brito na CRC – Companhia de Revenda e Colonização na loja em frente à Panificadora de Severino Lolô, muitas vezes ouvi conversas do Tenente João Gomes enquanto ele esperava “carro” para Carnaíba.
Referidos diálogos muitas vezes versavam sobre a pesquisa que o Tenente fazia para escrever um livro sobre o cangaço. Eu tinha informação que João Gomes havia perseguido Lampião e seu grupo, Quincas Rafael sempre citava João Gomes e Manoel Neto como valorosos combatentes na guerra contra os cangaceiros.
Recentemente, em visita a São José do Egito, comprei os dois volumes do livro “Lampião – Memórias de um Soldado de Volante”, na livraria Sebo Cultural do poeta Antônio Batista.
Os registros não representam uma apologia ao crime ou uma valorização da ação policial no combate aos crimes praticados pelos seguidores do Capitão Virgulino, são relatos que de forma contundente demonstram a forma primitiva que se davam os combates nas caatingas do sertão.
Encontramos no texto a forma como o Estado tratava a questão, submetendo os sertanejos a uma luta onde a coragem superava as desiguais condições de enfrentamento. A crueldade utilizada por Lampião e sua turma é a mesma que os assaltantes de bancos e traficantes de drogas dos dias atuais aplicam às suas vitimas. Também é igual a impotência do Estado no combate ao crime.
Reconhece o autor que Lampião era dotado de grande habilidade para superar as dificuldades ao desenvolver estratégias de combate muito superiores as das volantes, contando para tal com o irrestrito apoio de “coiteiros”. As barbaridades praticadas nas fazendas, vilas, povoados e cidades do sertão servem para fazermos uma reflexão sobre a brutalidade que os “seres humanos” utilizam para eliminar seus oponentes. O instinto perverso supera, com sobra, os animais irracionais em seus embates.
Padre João Carlos da Acioly Paz, ao prefaciar o livro “Jabitacá, segundo Quincas”, que também aborda assuntos relacionados com o cangaço ensina-nos que não devemos nos levar pelos acontecimentos e sim procurarmos entender o contexto da época.
Tal lógica não nos impede de sonharmos com um mundo onde enredos da espécie sejam extraídos do nosso convívio, contudo, não podemos negá-los. Na época de Lampião, como hoje, a banda podre da sociedade ganha com a violência e as pessoas de bem perdem.
Por: Ademar Rafael
CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
Mesmo serviço, atitudes diferentes.
Em outubro de 2013 eu, minha esposa e um casal de amigos desembarcamos no aeroporto de Belém-PA às vésperas do Círio de Nazaré e como íamos para bairros próximos, com mesmo itinerário, compramos um “passe” de táxi pagando até o endereço mais distante.
Ao entramos no táxi e informamos os destinos fomos comunicados que deveríamos pagar uma diferença, tentamos argumentar que havíamos comprado o “passe” pelo preço mais caro, mas, nossos argumentos não foram absorvidos pela taxista.
Comentei com o amigo que caso estivéssemos numa negociação civilizada não seria necessário pagar qualquer diferença. A taxista afirmou que caso estivéssemos insatisfeitos poderíamos descer do seu carro. Solicitei que parasse e ela nos deixou na área entre o saguão de desembarque e o estacionamento.
Voltei ao balcão da companhia de táxi para comunicar o fato a despachante afirmou: “Aquele mulher fez novo barraco?”. Para não criar outro impasse paguei o valor cobrado e fomos em outro veículo. No caminho o motorista falou que a atitude da colega não foi adequada e que no máximo o condutor pode negociar uma compensação quando a rota é desviada. Não era o caso.
Na madrugada do dia 22.04.14 enquanto eu e minha esposa íamos para o mesmo aeroporto o motorista acertou um buraco na pista e cortou um pneu. Como estávamos próximos da hora limite para embarque
sinalizamos para um táxi que passava em direção contrária. O motorista pegou o primeiro retorno e nos levou ao aeroporto. Perguntei quanto foi a corrida e ele disse que nada devíamos afinal ele apenas socorreu
usuários do sistema e deu apoio a um colega.
Enquanto despachava as malas lembrei-me do primeiro caso e como gostamos de comparar tudo veio a reflexão: Porque pessoas que prestam o mesmo serviço agem de forma tão diferentes?
Para evitar impasses entre usuários e prestadores de um serviço a literatura sobre o tema sugere a unificação de procedimentos ou a exposição clara no balcão de atendimento sobre a taxa extra para o caso de dois destinos, mesmo que um fique no trajeto do outro. Por não haver sistematização é possível interpretações diferentes, portanto, a prestadora do serviço poderia sim cobrar o valor adicional.
No segundo caso não existem regras na literatura sobre a atitude adotada, nesse caso o prestador do serviços utilizou ferramentas em desuso no universo dos negócios: O bom censo e a solidariedade.
Por: Ademar Rafael
CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
Tempero do Forró
Eis que encontro novamente a voz do sabiá Bia Marinho em um trabalho musical que volta a retratar a força artística dessa mulher guerreira, de canto a adocicado e sorriso encantador.
Das tertúlias egipciense para o palco foi o caminho pedregoso, no primeiro LP “Zeto & Bia” mostrou as garras, em “Sabiá – Bia Marinho, escolhidas a dedo” fez mundo perceber grande evolução. No segundo
trabalho as interpretações das músicas de Zé Marcolino aparecem imponentes como castanheiras na floresta.
Ao ouvirmos “Estrada”, “A cura”, “Retalhos de Rezadeira”, “Um veio d’água do Rio Pajeú”, “Maria das Graças” e “Cidade Grande”, criações de Zé Marcolino, Anchieta Dali/Bia Marinho, Abdias Campos, Maciel Melo, Jansen Filho/Chico Bandeira e Petrúcio Amorim, respectivamente, somos transportados para o mágico mundo da perfeição musical. Distante, muito distante mesmo do que somos obrigados a ouvir nos programas televisivos e nas FM’s da vida.
“Tempero do Forró”, da lavra dos Geraldos Azevedo e Amaral inicia a coletânea do último trabalho de Bia Marinho. “Parindo Estrelas”, de Anchieta Dali segue o modelo consagrado pela cantora: Grife sertaneja.
As interpretações nas melodias de sua autoria: ”Espera”, “Se eu soubesse”, “Sonho de nós dois”, “Adeus” e “Querência”, a primeira em parceria com Bebel e a última em parceria com o filho Greg Marinho e Nuca Sarmento, são revestidas de um magnetismo difícil de descrever, somente ouvindo somos capazes de sentir, medir a força jamais.
“ Vem meu bem”, de Bebel; “Olhar de bem”, de Zeto; “Jarim de fulô”, de Xico Bezerra e Cicinho do Acordeom; “Trem da Vida”, de Carlinhos Vergueiro, Fernando Jaburu, Lêda Valença e Fátima Bandeira e “Terreiro/Queima Fogueira”, de Miguel Marcondes e Luís Homero juntam-se as demais faixas que Bia Marinho nos presenteia com sua voz plural.
Completando a obra temos “Forropé”, de Zeto e Bia Marinho, música que faz parte do LP “Zeto & Bia”, do CD “Sabiá – Bia Marinho, escolhidas a dedo” e do CD “Tempero do Forró”, mas, nesta última versão vem ao lado de “Juliana” de Zé Marcolino, em uma única faixa. O estilo único de Marcolino em universalizar o simples, em extrapolar todos os limites com o singelo recebe o sopro vocal de Bia Marinho para cruzar todas as fronteiras. É sob o ponto de vista deste cronista o ponto mais alto do trabalho.
Obrigado Bia Marinho, nosso Sabiá.
Por: Ademar Rafael
CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
Trilogia de “responsa”
O tabirense Ivo Mascena Veras deu-nos de presente uma trilogia de livros sobre três dos maiores cantadores de viola do nordeste.
O primeiro, com o título “Pinto Velho do Monteiro – O maior repentista do século”, publicado pela Editora CEPE, em 2002, resgata versos e histórias daquele cuja britadeira de rimas triturou vários adversários pelo sertão afora.
O segundo, intitulado “Lourival Batista Patriota”, também da editora CEPE, datado de 2004, registra parte da obra do rei dos trocadilhos, que no próximo ano São José do Egito comemorará seu centenário. Nesta
publicação, a partir de página 303 adiciona versos de outros poetas do Pajeú.
O terceiro, “Antônio Marino do Nascimento – O precursor dos repentistas de São José do Egito”, sobre a história do cantador do Angico Torto, descortinando um leque infinito de estrofes e “estórias” não identificadas em outro torrão.
Com um estilo de escrita peculiar Ivo não se prende somente a figura retratada em cada livro, faz um apanhado sobre o entorno do poeta, falando de família, amigos e especialmente o mundo em que habitou.
Caso o leitor queira versos encontrará, caso busque relatos do cotidiano dos sertanejos achará em abundância e se estiver à procura da cultura amplificada e produzida por um povo criativo por excelência identificará com facilidade.
As obras fogem do lugar comum das biografias “fabricadas” em direção ao politicamente correto, narram versões onde dificuldades são superadas com traços de heroísmo mixados com um auto aprendizado que surge na espontaneidade e na pureza do homem do sertão.
As situações trazidas do mundo exterior, para enriquecer os relatos, não reduzem o poder do fogo dos poetas, pelo contrário faz com que suas criações ganhem destaque. O propósito do escritor em temperar
os relatos com especiarias vindas do chão sertanejo, fincando-os ao solo onde produzidos, dá guarida a tese de que as fronteiras entre Pernambuco e Paraíba, nas regiões Cariri e Pajeú geram uma cultura tão
consistente que modismos não apagam.
Que os escritores da região assumam a lacuna deixada por Ivo Mascena Veras e iniciem escavações para extrair as joias deixadas pelos poetas de agora, com o intuito de presentear as gerações futuras com publicações da espécie. Que os presentes deixados por Ivo sirvam de incentivo.
Por: Ademar Rafael
CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
“19 de dezembro – Amanheci com dor de barriga e vomitando. Doente e sem ter nada para comer. Eu mandei João no ferro velho vender um pouco de estopa e uns ferros. Ele ganhou 23 cruzeiros. Não dava nem para fazer uma sopa. Que suplício adoecer aqui na favela! Pensei: Hoje é meu último dia em cima da terra. Percebi que havia melhorado. Sentei na cama e comecei a catar pulgas. A ideia da morte já ia se afastando. E eu comecei a fazer planos para o futuro. Hoje eu não saí para catar papel. Seja o que Deus quiser.”
O texto acima foi extraído do livro “Quarto de Despejo – Diário de uma favelada”, escrito pela negra Carolina Maria de Jesus, catadora de lixo na favela do Canindé, às margens do Rio Tietê em São Paulo, no ano de 1958.
Como pode ser visto a falta de estrutura hospitalar e de condições dignas de sobrevivência antecede as políticas públicas relacionadas com bolsa família, com o programa “Minha casa minha vida” e os gastos com a Copa do Mundo.
Carolina, por acreditar no futuro mesmo nas condições citadas, viu seu diário ser transformado em livro com o apoio do jornalista Audálio Dantas e viu suas canções, compostas no seu miserável cotidiano, serem gravadas. Mas, viu contingente de amigos sucumbir sob o olhar inerte e insensível da mesma classe social que agora critica os governos, mesmo com os bolsos cheios à custa do sofrimento alheio e das benesses recebidas em negócios com o poder público.
Atribuir nossas mazelas aos gastos com a Copa do Mundo é negar que fizemos uma abolição dando dinheiro aos ex-donos de escravos e abandonando os “libertados”, é fazer vistas grossas para um sistema perverso de governo, sempre em favor dos abastados e fazer de conta que não existe uma barreira intransponível para os moradores da periferia.
Pena que as pessoas mais sofridas, que menos acessam os saberes e os recursos disponíveis estão sendo, mais uma vez, manipuladas em movimentos que visam devolver o poder aos que pouco fizeram em seu favor. Deveriam sim está à frente de um movimento para ampliação das conquistas sociais obtidas com muita luta e pouca vontade política.
A manada está solta, os capatazes estão observando à distância, os moradores da casa grande assistirão a copa em TVs de última geração e os moradores das favelas continuarão servindo de isca para os traficantes, os turistas e os maus políticos. A culpa é da COPA, ou nossa?^
Por: Ademar Rafael
CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL
Uma questão de justiça
Na semana passada, neste mesmo espaço, ao comentar a amplitude do trabalho “Em canto e poesia”, dediquei especial atenção ao talento de Antônio Marinho.
Ao remeter uma cópia do texto para o “facebook”, do poeta recebi a seguinte mensagem: “Amigo Ademar Rafael Ferreira… Muito obrigado Esse trabalho não é só meu. Em Canto e Poesia é o nome do grupo que formo com meus irmãos. Greg no violão na voz e nos arranjos e Miguel na voz e no pandeiro. É só um registro porque não é um trabalho meu, mas coletivo. Com meus dois irmãos e mais uma equipe de músicos que nos acompanha…”.
A lucidez de Marinho neste lembrete advém de uma cabeça pensante que desde cedo coloca o coletivo acima do individual, característica esta também herdada e multiplicada em um cenário onde a individualidade e o estrelismo campeiam.
Sobre os irmãos Greg e Miguel escrevo agora, com a certeza que eles entenderão as limitações deste cronista, amante inveterado da arte praticada pelos filhos de Bia.
Marcos Vieira, músico de Itapetim que encanta os brasilienses com melodias produzidas em seu violão e em seu teclado, há algum tempo disse-me: “Papa, Greg filho de Bia é um músico indo e voltando, poucos ouvi tocar daquele tanto, com aquela idade.” Como Marquinhos é autoridade no assunto acreditei de pronto e constatei em diversos trabalhos que levam sua assinatura. Greg não é um músico apenas é um arranjador, um maestro e um poeta com talento raro.
Miguel é um percussionista que, por meio do instrumento que imortalizou Jackson de Pandeiro, soma-se aos dois outros irmãos para gerar um ambiente musical que tal qual os “dervishes” flutua em um eixo imaginário, incentivando-nos a criar imagens que nos aproxima dos deuses.
Narrar os instrumentos tocados por Greg e Miguel é missão impossível, o estoque de Hermeto Pascoal junto ao de Naná Vasconcelos fazem parte do cotidiano da dupla, contudo, o jeito pajeuzeiro de ser e tocar não permite comparações.
Além de Marinho, Greg e Miguel – como muito bem lembrado pelo poeta em sua mensagem -, atua no projeto uma equipe tão afinada quanto as vozes dos cantores. Eu, que vivo repetindo em minhas aulas nos cursos de administração, que não há espaço para carreira solo, cometi o ato falho de individualizar um trabalho de equipe. E que equipe!
Por: Ademar Rafael