A cegueira do intolerante
Nos chamou à atenção uma matéria do Jornal do Commercio, assinada pelo advogado Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, sobre o episódio ocorrido no mês passado em um voo comercial entre Brasília e Rio de Janeiro, envolvendo a jornalista Miriam Leitão, constrangida a escutar impropérios de cerca de vinte militantes político-partidários, ao longo de quase duas horas, a qual nos remete, em alguma medida, à lição da obra de Saramago – Ensaio sobre a Cegueira, de 1995.
No livro, o autor fala da “treva branca” que vai deixando cegos, um por um, os habitantes de uma cidade. Quis e pretendeu que o leitor recobrasse “a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”.
O Brasil enfrenta tempos de muita cegueira. E não é uma cegueira física, mas ideológica. Tempos de um impulso incontrolável de acusar e condenar em juízo próprio, à revelia das instituições, e com isso ter o outro, que pensa diferente de si, como um inimigo a ser trucidado.
Mesmo que o caso da jornalista não seja inédito, ele remete com força à obra de Saramago por causa disso. Do mesmo modo o advogado em quadras de crise moral, estigmatizado como cúmplice da impunidade. E o juiz independente, quando ousa decidir contramajoritariamente. E a imprensa séria, quando se atreve a contar histórias dando-lhes começo, meio e fim.
Todo impasse deveria, e foi o que propôs o autor da obra acima citada, convidar à reflexão, mas, para alguns, isso não existe, vez que não querem enxergar. Nesse caso podemos afirmar que a cegueira é, inclusive, da alma. Camus escreveu que “uma imprensa livre pode, é claro, ser boa ou má, mas, certamente, sem liberdade, será apenas má”. E Rui Barbosa que: “fora da legalidade não há salvação”.
Diante da ineficácia do calmante da principiologia constitucional, o remédio alternativo é amargo, mas desconfiamos que o intolerante, o pior cego que há, não liga para isso. Quer mais é que tudo incendeie. Lhe satisfaz mais o cheiro da fumaça do que a visão das chamas.
Danizete Siqueira de lima – Afogados da Ingazeira – PE – julho de 2017.