Por: Milton Oliveira
Deu-se há pouco tempo; eu descia na avenida principal; ele subia. Cabisbaixo, sorumbático, passos lentos, uma mão enfiada no bolso. Olhou-me e sorriu. Derramava-se em seus lábios o mesmo sorriso jovial e cativante que era sua marca pessoal, mas havia em seu rosto uma máscara de dor profunda, dessas que tranca o peito e sangra a alma. Seus olhos perderam o brilho alegre de outros tempos; o queixume, entretanto, não obnubilou, por completo, o cristal da alma.
Abraçou-me. Conversamos durante alguns minutos, depois de tantos anos sem nos vermos.
Falei a respeito da minha vida, do meu amor incondicional pelos meus filhos, das dificuldades da minha profissão.
Ele tinha pouco a dizer. Mesmo assim terminou desabafando: sua família era sua vida (a mulher e uma filha), pouca gente, muita felicidade. Mas tudo se acabou. Uma crise de intolerante ciúme somada à arrogância e à irresponsabilidade terminaram por deixá-lo fora de casa, privado do convívio dos seus entes queridos.
Apoiou a mão no meu ombro, recostou a cabeça em mim. Nunca esperei isso dela, amulher da minha vida. Engoliu um soluço a lhe sacudir o peito.
Pensei em lhe falar que alguém mais entendido havia dito que o rio não mata a sede na água do seu dorso, nem a árvore se alimenta dos frutos que produz, portanto nós não sabemos a importância que tem o amor, mas me calei. Ele não iria entender, sua dor era muito intensa e bem maior que sua compreensão.Saiu sem se despedir e sem olhar nos meus olhos. Tive impressão que enxugava o rosto.
Outras vezes viu-o passar nas ruas, sempre sozinho, o rosto pendido para frente, um peso enorme nos ombros. Carregava sua decepção e sua dor,bagagem extenuante. Não nos falamos; estávamos em calçadas opostas.
Nos domingos à tarde e em todas as noites dá pena vê-lo passar: um homem arrasado. Destruído pelo amor desfeito.
Disse-me, certa feita, que dolorosa não é a perda, mas a falta de motivo.
E, chorando: minha filha não quer me ver. Minha filha que é a extensão do meu corpo, uma das grandes razões da minha vida, evita encontrar-se comigo. Vagiu abraçado comigo, quase nos derrubando. O que foi que disseram a ela, não sei. Soluçou forte, sem controle, desesperado. As pessoas passavam e ficavam olhando; ele era uma lacrimosa estátua de amargura.
Jamais se relacione com pessoa insensata, foi a última frase que ele me falou. Soube que, naquela semana, o desgosto e a solidão tragaram-no de forma definitiva. Nunca mais ele foi o mesmo.