Ricardo Boechat – ISTOÉ
“Se as pessoas que estão fazendo essas denúncias querem saber como se governa, têm que sair do Ministério Público e ganhar eleições para saber como é que se governa”. De tudo dito no “confronto do século” da quarta-feira 10, em Curitiba, essa fase talvez tenha sido a mais ilustrativa. Não é pouco. Em especial diante do que aconteceu ali. Não aconteceu nada.Só a cegueira militante poderia esperar que Lula e Sérgio Moro protagonizassem um espetáculo de luta no gel. Nem o ex-presidente foi para confirmar as denúncias que pesam sobre ele, nem seu inquiridor, para dar-lhe alguns sopapos. Como bem sabem milhões de outros réus, o magistrado impôs menos o ritmo da oitiva do que se vê nas audiências normais. E o querelado falou mais do que se permite aos seus congêneres nessas ocasiões. Ainda assim, sem surpresas que justificassem tanto oba-oba policial, político e jornalístico.
Devidamente espremidas, aquelas cinco horas repetiram o figurino geral desse tipo de evento, produzindo um conjunto previsível de repetições. Voltando à frase inicial, ele se destaca no oco compulsório da sessão porque define com perfeição a moral dominante na política brasileira. Estrela maior desse universo, o capo petista repetiu a certeza de que governar é conciliar os interesses de quadrilhas partidárias e uni-las em torno de um mesmo projeto de poder, ao custo da pilhagem do Estado. Vale tudo para formar a maioria necessária à “governabilidade”: loteamento de cargos, caixa dois, contratos superfaturados, aparelhamento de estatais, contas secretas, mentira institucionalizada…
Lula não está sozinho. Dessa lógica compartilha a maioria dos figurões que lhe fazem oposição. Entre eles, a sacanagem é histórica e geral. A “arte política” com que Lula desafia quem o investiga não é arte, nem é política. Governar passa longe do que ele ensina e pratica. Se os procuradores quiserem aprender “como é que se governa”, podem consultar o “Corruption Perception Index”. O ranking da ONG Transparência Internacional lista democracias onde há governo, partidos e casas legislativas, mas onde não existe corrupção. À direita, à esquerda e ao centro, corrupção não é destino, é escolha. A escolha de Lula e de seus iguais parece clara.