Os garçons do Palácio da Alvorada ainda servem café quente para a presidente afastada Dilma Rousseff. Na quinta-feira passada (26), ela recebeu a Folha de São Paulo, para uma entrevista e pediu que servissem também “alguma comidinha”. Foi prontamente atendida, mas reclamou: “Não tem pão de queijo?”.
Dilma, segundo assessores, segue mais Dilma do que nunca. Acorda cedo, despacha, dá bronca, exige pontualidade e se apega a detalhes.
Aparenta estar forte e até algo aliviada longe da rotina do Palácio do Planalto, de onde foi afastada depois que o Senado votou pela abertura do impeachment, há 18 dias.
Diz que não sente falta de nada. “Eu trabalho o mesmo tanto. Só que agora faço outras coisas”, afirma.
Recebe senadores, deputados, ex-ministros. Com eles, participa de discussões em redes sociais. “Temos que defender o nosso legado. E com pouco recurso. Atualmente nós temos um blog. Ele nos consome”, afirma.
Na semana passada, acompanhou cada detalhe da divulgação, pela Folha, de gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com os senadores Romero Jucá e Renan Calheiros e com José Sarney.
“As razões do impeachment estão ficando cada vez mais claras”, afirma, sorrindo. As conversas revelam tentativas de interferir na Operação Lava Jato e a opinião de que, se Dilma saísse do governo, as investigações poderiam arrefecer.
Dilma não poupa críticas ao governo interino de Michel Temer e diz que ele terá que “se ajoelhar” para Eduardo Cunha, com quem “não há negociação possível”.
Leia a seguir os principais trechos da conversa:
Folha – Vamos começar falando sobre o impeachment.
Dilma Rousseff – Pois não.
A senhora precisa ter 27 votos contrários a ele no Senado.
É melhor falar que precisamos de 30.
E só teve 22 na votação da admissibilidade. Acredita mesmo que pode voltar?
Nós podemos reverter isso. Vários senadores, quando votaram pela admissibilidade [do processo de impeachment], disseram que não estavam declarando [posição] pelo mérito [das acusações, que ainda seriam analisadas]. Então eu acredito.
Sobretudo porque as razões do impeachment estão ficando cada vez mais claras. E elas não têm nada a ver com seis decretos ou com Plano Safra [medidas consideradas crimes de responsabilidade].
Fernando Henrique Cardoso assinou 30 decretos similares aos meus. O Lula, quatro. Quando o TCU disse que não se podia fazer mais [decretos], nós não fizemos mais. O Plano Safra não tem uma ação minha. Pela lei, quem executa [o plano] são órgãos técnicos da Fazenda.
Ou seja, não conseguem dizer qual é o crime que eu cometi. Em vista disso, e considerando a profusão de detalhes que têm surgido a respeito das causas reais para o meu impeachment, eu acredito que é possível [barrar o impedimento no Senado].
A senhora se refere às conversas telefônicas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, com os senadores Romero Jucá e Renan Calheiros e com o ex-presidente José Sarney?
Eu li os três [diálogos]. Eles mostram que a causa real para o meu impeachment era a tentativa de obstrução da Operação Lava Jato por parte de quem achava que, sem mudar o governo, a “sangria” continuaria. A “sangria” é uma citação literal do senador Romero Jucá.
Outro dos grampeados diz que eu deixava as coisas [investigações] correrem. As conversas provam o que sistematicamente falamos: jamais interferimos na Lava Jato. E aqueles que quiseram o impeachment tinham esse objetivo. Não sou eu que digo. Eles próprios dizem.
E a crise na economia, a falta de apoio do governo no Congresso, não contaram?
O [economista e prêmio Nobel Joseph] Stiglitz fez um diagnóstico perfeito [sobre o Brasil]: a crise econômica é inevitável. O que não é inevitável é a combinação danosa de crise econômica com crise política. O que aconteceu comigo? Houve a combinação da crise econômica com uma ação política deletéria. Todas as tentativas que fizemos de enviar reformas para o Congresso foram obstaculizadas, tanto pela oposição quanto por uma parte do centro politico, este liderado pelo senhor Eduardo Cunha.
Pior: propuseram as “pautas-bomba”, com gastos de R$ 160 bilhões. O que estava por trás disso? A criação de um ambiente de impasse, propício ao impeachment. Cada vez que a Lava Jato chegava perto do senhor Eduardo Cunha, ele tomava uma atitude contra o governo. A tese dele era a de que tínhamos que obstruir a Justiça.
A senhora então sustenta que o impeachment foi apenas uma tentativa de se barrar a Operação Lava Jato.
Foi para isso e também para colocarem em andamento uma política ultraliberal em economia e conservadora em todo o resto. Com cortes drásticos de programas sociais. Um programa que não tem legitimidade pois não teve o respaldo das urnas.
Não foi um equívoco político confrontar um adversário com tanto poder e influência no parlamento como Cunha?
Desde 1988, o PMDB foi o centro do espectro político. E participou da estruturação tanto dos governos do PSDB quanto dos governos do PT, sendo fator de estabilidade.
Mas, a partir do meu primeiro mandato, esta parte [PMDB] que era para ser centro passa a ter um corte de direita conservadora, com uma pessoa extremamente aguerrida na sua direção.
Você passa a ter, de um lado, 25% [dos parlamentares] ligados à ala progressista, outros 20% à ala que já foi social-democrata. E, no meio, 55% sob o controle do senhor presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha. A situação do Brasil, se isso não for desmontado, é gravíssima.
Mas era melhor cair a fazer um acordo político com ele?
Fazer acordo com Eduardo Cunha é se submeter à pauta dele. Não se trata de uma negociação tradicional de composição. E sim de negociação em que ele dá as cartas.
Jamais eu deixaria que ele indicasse o meu ministro da Justiça [referindo-se ao fato de o titular da pasta de Temer, Alexandre de Moraes, ter sido advogado de Cunha]. Jamais eu deixaria que ele indicasse todos os cargos jurídicos e assessores da subchefia da Casa Civil, por onde passam todos os decretos e leis.
A senhora se refere a nomeações do governo interino?
Podem falar o que quiserem: o Eduardo Cunha é a pessoa central do governo Temer. Isso ficou claríssimo agora, com a indicação do André Moura [deputado ligado a Cunha e líder do governo Temer na Câmara]. Cunha não só manda: ele é o governo Temer. E não há governo possível nos termos do Eduardo Cunha.
Não haverá, na sua opinião, governo Temer possível?
Vão ter de se ajoelhar.
Voltando à Lava Jato, houve pressão sobre a senhora para interferir na operação?
Era muito difícil fazer pressão sobre mim, querida.
Há relatos de pressão de Lula e do PT para que a senhora demitisse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Tanto não é verdade que José Eduardo saiu no final. E para o lugar dele foi um procurador [Eugênio Aragão].
Delcídio do Amaral afirmou em delação que a senhora indicou o ministro Marcelo Navarro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) para ajudar a soltar empreiteiros presos.
É absurda a questão do Navarro. Eu não tenho nenhum ato de corrupção na minha vida. Não conseguirão [acusá-la]. Por isso escolhem seis decretos e um Plano Safra [para embasar o impeachment].
Há rumores de que o empreiteiro Marcelo Odebrecht acusará a senhora, em delação premiada, de ter pedido dinheiro a ele na campanha em 2014, o que teria resultado em pagamentos ao marqueteiro João Santana por meio de caixa dois.
Eu jamais tive conversa com o Marcelo Odebrecht sobre isso.
Nem com o João Santana?
Eu paguei R$ 70 milhões para o João Santana [na campanha de 2014], tudo declarado para o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Onde é que está o caixa dois?
A senhora já teve quantos encontros com Odebrecht?
Muito poucos. Eu não recebi nunca o Marcelo no [Palácio da] Alvorada. No Planalto, eu não me lembro. Recordo que encontrei o Marcelo Odebrecht no México, o maior investimento privado do país é da Odebrecht com um sócio de lá. Conversamos a respeito do negócio, ele queria que déssemos um apoio maior. Uma conversa absolutamente padrão do Marcelo.