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AFOGADENSE BRILHA EM ALAGOAS

mauLonga é a vida em que podemos amealhar mais saber”

Arriete Vilela entrevista a jornalista Mauricélia Ramos. Uma das organizadoras do Manual de Redação e Estilo da Assessoria de Comunicação da Ufal, ela fala sobre literatura e vida

Mauricélia Ramos nasceu em Afogados da Ingazeira, Pernambuco, e formou-se jornalista pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde trabalha desde 2011 na área administrativa. Fez especialização em Gestão Pública e é uma das organizadoras do Manual de Redação e Estilo da Assessoria de Comunicação da Ufal, lançado em 2013 pela Edufal. É na literatura que sua alma se deleita desde muito pequena. Um livro de literatura de cordel foi sua primeira experiência, com a leitura promovida pela avó Luzia Batista, que era poetisa, e de quem herdou também o gosto por escrever. Na adolescência, arriscou-se na arte da poesia, mas a abandonou desde que sua avó faleceu, em 2007. Voltar a escrever poemas e contos é um projeto futuro. Atualmente, dedica suas horas vagas – em meio a trabalho, casamento e educação dos filhos, um de 4 anos e outro de 10 meses – à leitura de autores clássicos, sem nunca deixar de estudar seu escritor favorito: Graciliano Ramos.

“As mais belas viagens são as que são feitas pela janela”? (Georges Brassens)

A visão pela janela parece ser limitada, por estar enquadrada, por ser hermética. No entanto, quando o cantor e compositor francês Brassens cita as viagens, demonstra que pela janela podemos ver o que se passa do lado de fora, admirar as paisagens, sentir a brisa, inspirar-se, pintar o passeio com a cor que os próprios olhos podem escolher, sem ter a preocupação de guiar o caminho. A janela mostra o mundo “lá fora”, a outra visão, que, com a imaginação e a sensibilidade de quem olha, já é uma viagem em relação ao que está do “lado de cá”.

“A vida bem vivida é longa”? (L. da Vinci)

De forma metafórica, a vida bem vivida é longa lista de experiências marcantes, de relações proveitosas, de amores bem ou mal aproveitados. Não pensemos aqui “longa” de forma temporal, ou seja, que apenas vive bem quem vive muito; ou que a vida bem vivida é aquela na qual não se expor e viver sem muita emoção seja receita para a longa vivência. Não é assim que vejo. Jovens são, por vezes, criticados por viverem intensamente, “como se o mundo fosse acabar amanhã”, e essa intensidade pode promover mais conhecimentos e experiências do que quem já viveu mais, em relação à idade. O gênio italiano Leonardo da Vinci também dizia que assim como um dia bem aproveitado promove uma boa noite de sono, uma vida bem vivida proporciona uma boa morte. Então, até mesmo em nome do fim irremediável para todos nós, devemos aproveitar ao máximo nossa existência. Longa é a vida vivida com proveito de cada momento, cada sorriso, cada amor. Longa é a vida em que podemos amealhar mais saber, mais experiências.

“Todo aquele que está sinceramente feliz consigo mesmo é um tolo”? (William Gass)

Quando o autor norte-americano usa “sinceramente”, dá a entender que a pessoa tem certeza e consciência dos motivos que a fazem estar feliz consigo e com sua vida. Assim, julgo que não é tolo quem se sente feliz e satisfeito com o norte a que chegou, mas tolo pode ser quem nunca se satisfaz com a sincera felicidade que sente, numa busca alucinada por esse sentimento, colocado como alvo, quando a felicidade, na verdade, é um estado de ser em que vivenciamos a alegria, que pode ser momentânea. Lutemos, para que não nos conformemos com o que não podemos mudar, e não sejamos tolos em não guerrear pela necessária mudança, mas que saibamos ser felizes a cada dia, a cada nova conquista, a cada novo amanhecer.

“Um casamento bem-sucedido precisa ser refeito diariamente”? (André Maurois)

Sou casada há sete anos e, sinceramente, ainda não encontrei a receita perfeita para viver essa relação. Maurois também dizia que o matrimônio é algo em que devemos trabalhar permanentemente e, mesmo assim, nunca está pronto. Como uma obra que, ao chegar perto de ser finalizada, apresenta imperfeições que devem ser retificadas sem demora. Os protagonistas de um casamento têm que ser bons trabalhadores e devem trabalhar em sintonia. Com o casamento, aprendemos também que uma noite de sono é capaz de recuperar a parcimônia, curar dores, esquecer desavenças. A superação cabe numa noite bem dormida. No outro dia, há um novo sol, uma nova oportunidade de fazer diferente. Às vezes, as noites precisam ser mais numerosas, para que consigamos reenxergar um sol mais brilhante, pois é assim que se contorna, reforma-se e mantém-se um casamento. Os matrimônios longos, que a nossos olhos têm o aspecto de perfeitos, não são irretocáveis, apenas têm sujeitos que sabem se compreender, colocar no lugar aquele pedacinho que foi retirado bruscamente. Todo dia, um novo dia para amar, perdoar, compreender. Todo dia, uma nova parte da grande obra necessitando de ajustes. E, ainda assim, muitos casamentos acabam não pelo fim do amor, não pela desistência da construção diária, mas pela tolerância acabada.

“Escrever é saber ler o que está a sua volta”? (Luisa Valenzuela)

Este é um assunto que sempre me aguça a curiosidade: o ofício do escritor. Sempre que leio um livro, procuro saber os caminhos percorridos pelo autor, o método e as circunstâncias inerentes ao livro. Entendo que um bom observador do mundo ao seu redor consegue tirar dele enredos proveitosos de várias histórias. Muitos escritores retratam em seus textos sua vida, suas emoções superficiais ou as mais íntimas, e há os que preferem da vida alheia pincelar belos livros. O querido escritor paraibano Ariano Suassuna dizia que não tinha imaginação, não inventava nada em seus livros, apenas pegava emprestadas histórias que presenciava em sua vida. Gabriel García Márquez, no livro Cheiro de Goiaba, também confere a essa citação toda sua veemência. Segundo o autor colombiano, alguns escritores escrevem livros a partir de uma ideia, de um conceito, mas ele sempre partia de uma imagem presenciada no seu mundo, para escrever seus enredos ou histórias de personagens de suas obras. Uma cena real poderia para ele ser o ponto de partida de um novo livro, ou ser a “luz” que precisava para o desfecho ou para decidir o destino de um personagem. Seu livro mais conhecido e mais vendido, Cem anos de solidão, começa com uma imagem inspirada num acontecimento da vida dele e, na mesma obra, muitas passagens são retrato de cenas passadas sob seus olhos atentos. José Saramago, escritor português, ao falar do seu ofício, dizia que para a imaginação se exprimir são necessários pontos de apoio, que só podem ser encontrados na realidade. Esta, para ele, dava alimento bastante e inesgotável para o ofício do autor. Escrever baseado apenas na criação imaginária é, sim, possível, mas parece-me de grande dificuldade criar o que nem mesmo o autor já experienciou, ao menos na forma de espectador. Porém, os livros da chamada literatura fantástica estão aí para provar que se pode escrever sem ler o que está em volta, já que esse tipo de livro tem narrativa elaborada pelo imaginário, por uma dimensão supostamente improvável na realidade. Agora, se há mais qualidade nas histórias ficcionais baseadas no real ou no imaginário é questão de acepção individual e do perfil do leitor.

“Não somos sempre o que queremos, mas o que as circunstâncias nos permitem ser”? (Marquês de Maricá)

Graciliano Ramos, no romance São Bernardo, tem como narrador-personagem Paulo Honório, homem rude de alma seca, coração duro. Ele, ao fazer um balanço de sua vida e dos acontecimentos mais marcantes, como a perda de sua mulher Madalena, diz que a culpa foi dele, mas antes a culpa foi da vida agreste que lhe deu uma alma agreste. As circunstâncias não propiciaram àquele homem ser diferente do que se poderia esperar. Assim como na ficção do autor alagoano, muitos de nós engavetamos sonhos por não conseguirmos conduzir a nossa vida para o rumo do que realmente somos ou queremos ser. Quantos artistas estão guardados dentro de si por não poderem se dedicar exclusivamente à sua arte? Muitas escolhas de futuro fazemos pelo que as circunstâncias demonstram ser mais conveniente no momento, mesmo de encontro às vontades do nosso eu. No entanto, há sempre a possibilidade de lutar para mudar as situações adversas e buscar ser o que o coração pede, o que ele pulsa internamente.

“Todo conhecimento vem da experiência”? (Kant)

Kant estudava todo o processo do conhecimento humano e como ele influi no cotidiano das pessoas. Somos seres únicos em nossos pensamentos, sentimentos e interpretações, e é a partir desses aspectos inerentes à pessoa que se baseará o conhecimento. Externando os muros da Filosofia e trazendo a citação para a vida diária, podemos analisar que o conhecimento é diferente para cada pessoa, por ser resultado de experiências de vida, que por mais que pareçam semelhantes entre os sujeitos, serão diferentes para cada um deles, pois o indivíduo tem suas particularidades nas crenças, educação e sentimentos. Somente vivendo, provando e sentindo, somos capazes de conhecer, e nunca pelo olhar do outro, pelo que se ouviu dizer.


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