A presidente Dilma Rousseff passeia de bicicleta nos arredores do Palácio da Alvorada durante a manhã desta segunda-feira (1º) em Brasília. Ela estava acompanhada por seguranças, também de bicicletaPela primeira vez, o governo corre um risco de que suas contas sejam rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Os auditores do TCU apontaram distorções da ordem de R$ 260 bilhões nas contas apresentadas no ano passado, ainda sob a gestão do então ministro da Fazenda Guido Mantega. Em vez de um patrimônio positivo de R$ 120 bilhões, como apresentado ao TCU, o governo teria um saldo negativo de R$ 140 bilhões. Os conselheiros do TCU se reúnem hoje para avaliar a questão e decidir o que fazer com as contas: aprovar, rejeitar ou, o mais provável, adiar a decisão.
Se você não está acompanhando a história, é fácil de entender. O Tesouro Nacional, instituição responsável por administrar o dinheiro do governo federal, deixou de repassar algo como US$ 40 bilhões para bancos oficiais (Caixa ou Banco do Brasil) pagarem benefícios como Bolsa Família, seguro-desemprego e financiamentos agrícolas subsidiados. Com isso, os benefícios foram pagos com recursos dos bancos – e o governo registrou um alívio momentâneo nas suas contas.
Ao adiar esses pagamentos, dizem os técnicos do TCU, o governo criou uma situação artificial, em que os bancos lhe emprestaram dinheiro sem cobrar juros, uma prática proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No jargão, isso é conhecido como “pedalada”. A Advocacia-Geral da União nega que o governo tenha “pedalado” as contas para pagar depois. Afirma que esse tipo de pagamento com atraso não configura empréstimo e ocorre em contratos de prestação de serviços para o governo pelo menos desde 2001, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Nas palavras do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, nem toda “operação de crédito” é um “empréstimo”. Ele afirma que todo órgão do governo faz um balanço periódico daquilo que tem a pagar aos bancos e, às vezes, o saldo é positivo. Mas desta vez não foi – e é dever dos técnicos avaliar a questão.
Os auditores do TCU discordam de Adams e ainda apontaram outras irregularidades: erros na avaliação de ativos do Tesouro, como a participação do governo na Petrobras (depreciada pelas perdas relativas à Operação Lava Jato reconhecidas pela própria empresa); e a concentração de pagamentos no último dia do ano, para que eles só fossem registrados no caixa no exercício seguinte (algo que muitas empresas costumam fazer quando passam por aperto, para apresentar um balanço com menos “rugas e sinais”).
O mais provável, segundo um acordo firmado ontem pelos conselheiros do TCU, é que haja mais um pedido de explicações ao governo e a votação prevista para hoje seja adiada. Dessa forma, o tribunal dará apenas uma “pedalada” no problema. A rejeição das contas é uma espada que continuará a pairar sobre o primeiro governo da presidente Dilma Rouseff.
No fim, o TCU, órgão composto em sua maioria por conselheiros ligados a políticos, tende a aprovar as contas com ressalvas. Se houver a rejeição, as consequências políticas são insondáveis. O Congresso Nacional poderá, no limite, instituir um processo de impeachment por crime de responsabilidade, devido a descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. Desde 2002, o Congresso não avalia as contas do governo, como estabelece a Constituição, e há uma aprovação quase automática. Agora, a própria oposição não sabe bem o que fazer. Uns querem ir até o impeachment em caso de rejeição, outros preferem não medir forças com um governo cuja popularidade está em frangalhos. Dilma continuna a pedalar tranquila pelas ruas de Brasília, em sua bicicleta importada. (Por: Helio Gurovitz)