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OPINIÃO DO PERNINHA

perninha (1)O Nordeste chorou por Camarão

Para alguns pode ter passado despercebida a morte do grande sanfoneiro, mas esse cronista jamais cometeria um crime dessa natureza. O que ocorre na maioria das vezes é que, como as minhas matérias só circulam uma vez por semana, fica difícil acompanhar as notícias com a necessária tempestividade. Mas, fazendo jus ao velho ditado “antes tarde do que nunca”, resolvemos falar sobre o mestre na primeira crônica do mês de maio.

Nascido na véspera de São João de 1940, em Brejo da Madre de Deus, no Agreste do Estado, Camarão aprendeu sanfona olhando o pai tocar. Aproveitava a ida de Antônio à lavoura para ensaiar algumas notas no instrumento. Sua primeira apresentação foi aos 7 anos. Naquela época foi submetido ao crivo dos sanfoneiros da família, numa das reuniões no quintal da Fazenda Camalaú, no interior da Paraíba. Aos 10 anos foi para a cidade de Caruaru e começou a ganhar a vida tocando nos cabarés de lá, de Serra talhada e de outras cidades do interior que tinham cabarés animados.

Somente aos 20 anos conseguiu o primeiro emprego fixo na Rádio Difusora de Caruaru, ocupando a vaga do sanfoneiro Zé Vaqueiro que era o substituto de Hermeto Pascoal, a quem o pessoal chamava de “sivuquinha”, recordava Camarão, que acompanhou todos os artistas famosos que vinham à cidade. “Toquei com os grandes nomes do rádio, Orlando Silva, Nelson Gonçalves e outros telentos”. Como era o sanfoneiro mais requisitado para gravações, foi na gravadora Rozemblit, através do forrozeiro Jacinto Silva, que ele gravou o seu primeiro LP.

Antes de montar a sua famosa bandinha, Camarão participou de Os Nordestinos do Ritmo, um trio nos moldes do Trio Nordestino, com Jacinto Silva e Raimundo Peba. A Banda de Camarão naturalmente era muito diferente das atuais bandas estilizadas que se vendem como se de forró fossem. Um dos pais da matéria, Camarão também não era admirador da maioria do que se convencionou chamar de pé de serra. Dos cantores citava Flávio José, Santana e o baiano Adelmário Coelho; compositores, gostava de Maciel Melo e Petrúcio Amorim, e apontava Luiz Gonzaga como o responsável pelo fraco forró do século 21: “O problema é que não tem mais assunto, o que tinha para falar, Gonzaga falou: seca, boi, Sertão, rio, mar, onde o sujeito for já está copiando Luiz Gonzaga. Então, agora, o pessoal fica nessa mesmice, criticava”.

Camarão é uma prova do descaso e preconceito de que são vítimas os forrozeiros. Os discos que lançou ao longo de mais de 50 anos de carreira, como integrante de grupo ou solo, estão fora de catálogo. Contemplado com o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, tinha direito a uma pensão vitalícia paga pelo Estado (seu único rendimento assegurado). Sem ganhar absolutamente nada de direitos autorais, complementava a renda mensal dando aulas de sanfona – teve mais de 150 alunos, incluindo Cezinha e Dudu do acordeom – , e fazendo o que melhor sabia, ou seja, tocar forró no palco. Só com Santana O Cantador foram 14 anos. Foi o preferido de Luiz Gonzaga durante muitos anos. Continuava recebendo convites para forrobodós, mas a saúde debilitada não permitia manter o ritmo.

O instrumentista faleceu às 8,40h do feriado de 21 de abril, aos 74 anos. Estava internado no Hospital Santa Joana, em Recife para fazer alguns exames, em decorrência de uma infecção intestinal, e também sofria de problemas cardíacos e renais – fazia hemodiálise há cinco anos, de acordo com o filho Salatiel Alves.

Com a morte de Camarão, o forró não fica apenas mais pobre. Perde um dos últimos remanescentes da geração que veio logo em seguida a Luiz Gonzaga. Reginaldo Alves Ferreira, seu nome de batismo, foi também um dos músicos que consolidou a sanfona como um instrumento de forró, que tocou com todos os grandes, sobretudo com Luiz Gonzaga, e marcou época com a Bandinha do Camarão, uma formação pioneira no forró.

Vai o mestre juntar-se a outros sanfoneiros tão bons quanto ele, como podemos citar: o Rei Luiz, Sivuca, Dominguinhos e tantos outros que entraram para a história deixando o seu legado para uma multidão que aprendeu a se apaixonar pelo nosso querido forró pé de serra.

Danizete Siqueira de Lima
Maio de 2015


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