Os marqueteiros decidiram lustrar Lula e o Bolsa Família para 2014. Um ainda está em muito boa forma e será de grande utilidade. O outro anda meio gasto.
Daí por que a semana virou um grande palanque para Lula em Brasília, com medalha da Constituinte no Senado, medalha da “Suprema Distinção” na Câmara e festança pelos dez anos do Bolsa Família.
Lula, claro, deitou falação, mas não custa avivar a memória e o senso crítico. Vamos lá.
Se ele agora recebe a medalha da Constituinte, há 25 anos o PT votava contra a “Constituição Cidadã”, um pacto nacional histórico. Em discurso de 1988, Lula criticava: “Ainda não foi dessa vez que a classe trabalhadora pôde ter uma Constituição efetivamente voltada para os seus interesses. Ainda não foi dessa vez que a sociedade brasileira, a maioria dos marginalizados, vai ter uma Constituição em seu benefício”.
Se agora Lula enaltece José Sarney, a ponto de equiparar sua importância na Constituinte à de Ulysses Guimarães, o PT não apoiava o governo Sarney e o próprio Lula se referia indiretamente ao então presidente como “o maior ladrão” da Nova República. Naquele mesmo discurso, queixou-se dos “setores conservadores ligados ao Planalto”.
Se agora critica duramente quem “avacalha” a política, Lula era quem denunciava a existência de “300 picaretas” no Congresso Nacional. Ou não?
Se agora defende vigorosamente a reforma política, Lula teve oito anos de mandato e uma popularidade estrondosa, mas nunca mexeu um dedo pela reforma. Ou não?
Se agora se volta raivosamente contra a mídia e contra jornalistas, Lula foi aquele líder sindical mítico do ABC embalado pela mídia nacional e endeusado por repórteres desde os anos 1970. Ou não?
Há o Lula pré-governo e o Lula pós-governo. Entre o que ele era e dizia e o que ele é e diz, passa aquele rio que inebria e deforma: o poder.
Por: Eliane Cantanhêde, em sua coluna na Folha de São Paulo