Por 48 anos, Terezinha Siqueira, 65, teve vergonha de sorrir porque não restava um dente sequer em sua boca. Trabalhadora rural em Afogados da Ingazeira, no Sertão do Pajeú, a agricultora abriu um sorrisão, na última quinta-feira, na hora de tirar a fotografia, pois sabia que os tempos de timidez ficariam no passado. Moradores de comunidades da zona rural do município, Dona Maria Irene Pereira, 54, e Seu Luiz Gonzaga Rufino, 70, percorreram algumas léguas em busca de atendimento de saúde. Eles não se conhecem, mas dividem realidades semelhantes. Os dois trabalham na roça desde muito cedo e enfrentam como podem a luta contra a estiagem que atinge o município. O trio recebeu os cuidados e o olhar humanizado da equipe do projeto Bandeira Científica, que levantou acampamento no último sábado (8) e realizou, até agora, uma média de 3.600 atendimentos. As atividades continuam até a próxima terça-feira.
A primeira edição do Bandeira Científica foi na década de 50, mas a iniciativa foi interrompida durante o período da ditadura militar e retomada há 13 anos. A proposta do projeto de extensão da Universidade de São Paulo (USP) é promover a interação dos estudantes com as diferentes realidades do País. A pesquisa científica e os atendimentos à população caminham lado a lado. O objetivo é promover a saúde, as potencialidades econômicas da região, a comunicação e a agroecologia. Na edição deste ano, alunos das áreas de medicina, nutrição, fisioterapia e fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), nutrição do Centro Acadêmico de Vitória e psicologia da Universidade de Pernambuco (UPE), do campus de Garanhuns, se uniram à expedição. Ao todo, 200 pessoas estão participando do projeto, entre estudantes e professores.
No município, a população vem acolhendo de braços abertos os ‘bandeirantes’. A prova do êxito do atendimento multidisciplinar (o paciente é atendido em diversas áreas durante a mesma consulta) é evidenciada nas palavras sinceras e no carinho dos pacientes. Convites para almoçar ou comer uma fruta não são raros. “A experiência é muito gratificante e as pessoas nos recebem com muita satisfação”, afirma a estudante do 4º período de psicologia da UPE, Andreia Karla Moraes, 19. “É mais do que uma experiência profissional, é uma lição para vida”, acrescenta Jéssica de Moraes, 20, também de psicologia da UPE.
Para o estudante Mário Mélo, 20, do 6º período de medicina da UFPE, o grande desafio é aprender a lidar com realidades tão diferentes. “Um dos pacientes chegou para mim dizendo que sentia uma chunchada e eu não sabia o que era, mas fomos conversando e ele me explicou melhor e eu descobri que a palavra significava uma dor muito forte. No projeto, temos muita liberdade para criar a própria linha de raciocínio em busca do diagnóstico correto, sem falar na troca de experiência com os discutidores (profissionais formados que orientam os estudantes)”, conta Mário, que nasceu em Lajedo, no Agreste, e tem planos de atuar na região depois de formado.
Segundo o coordenador-geral do projeto, Luiz Fernando Ferraz da Silva, a estimativa inicial era realizar três mil atendimentos, mas o número foi atingido nos quatro primeiros dias. “A gente encontrou uma demanda reprimida muito grande. Os agentes de saúde fizeram um trabalho de triagem muito bom e estamos com casos bem relevantes”, afirma. Os plantões nos postos de atendimento começam às 8h e, na maioria das vezes, ultrapassam às 19h. “O esforço é grande, mas também é fonte de motivação.”
Para ir além das questões pontuais, alternativas vêm sendo implantadas e ações, firmadas. O legado que o projeto se propõe a deixar para a cidade extrapola os 10 dias da expedição. O grupo da ondotologia, por exemplo, está realizando visitas educativas para mostrar os cuidados corretos com a saúde bucal. “Identificamos um nível de cárie muito alto e isso assusta, pois causa dor, déficit cognitivo e perda precoce de dentes na fase adulta. As crianças, principalmente, tem uma realidade muito prejudicada por causa da falta de flúor na água. A prevenção é mais barata do que o trabalho realizado posteriormente”, afirma o professor da Faculdade de Odontologia da USP, Antônio Carlos Frias.
Próximas
O prefeito eleito do município, José Coimbra Patriota, mostrou-se entusiasmado com algumas propostas apresentadas pelos grupos. Entre elas: a fluoretação da água e o projeto de saneamento rural sustentável, através do uso de biodigestores. “Esse projeto é muito interessante, porque reduz o desmatamento, é econômico e ainda resolve um grande problema de saúde”, explica Patriota, que deve assumir o executivo municipal no dia 1º de janeiro. (Marcela Balbino – JC – Fotos Cláudio Gomes)