No fim da tarde de uma segunda-feira recente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu ao palco de um evento organizado pelo PT em Brasília. Empunhou sua melhor arma: o microfone. Aos profissionais da imprensa que cobriam o evento, um seminário para discutir os rumos da economia brasileira, o ex-presidente dispensou uma ironia: “Essa imprensa tão democrática, que me trata maravilhosamente bem e, por isso, eu os amo, de coração”. Lula estava a fim de debochar. Não demorou para começar a troça sobre os cinco processos criminais a que responde na Justiça. Disse que há três anos ouve acusações sem o direito de se defender, como se não tivesse advogados. “Eu acho que está chegando a hora de parar com o falatório e mostrar prova. Eu acho que está chegando a hora em que a prova tem de aparecer em cima do papel”, disse, alterado. Lula repetia, mais uma vez, sua tática diante dos casos em que é réu: sempre negar e nunca se explicar. E prosseguiu: “Eu quero que eles mostrem R$ 1 numa conta minha fora desse país ou indevida. Não precisa falar que me deu 100 milhão, 500 milhão, 800 milhão… Prove um. Não estou pedindo dois. Um desvio de conduta quando eu era presidente ou depois da Presidência”. Encerrou o discurso aplaudido, aos gritos de “Brasil urgente, Lula presidente!”.
A estratégia de Lula é clara e simples. Transformar processos jurídicos em campanhas políticas – e transformar procuradores, policiais e juízes em atores políticos desejosos de abater o maior líder popular do país. Lula não discute as provas, os fatos ou as questões jurídicas dos crimes que lhe são imputados. Discute narrativas e movimentos políticos. Nesta quarta-feira, dia 10, quando estiver diante de Moro pela primeira vez, depondo no processo em que é réu por corrupção e lavagem de dinheiro, acusado de receber propina da OAS por meio do tríplex em Guarujá, Lula tentará converter um ato processual (um depoimento) num ato político (um comício).
Se não conseguir desviar a atenção, saindo pela tangente política, Lula terá imensa dificuldade para lidar com as provas – sim, com elas. Nesses processos e em algumas investigações ainda iniciais, todos robustecidos pela recente delação da Odebrecht, existem, por baixo, cerca de 3 mil evidências contra Lula. Elas foram analisadas por ÉPOCA. Algumas provas são fracas – palavrórios, diria Lula. Mas a vasta maioria corrobora ou comprova os crimes imputados ao petista pelos procuradores. Dito de outro modo: existe “prova em cima de papel” à beça. Há, como o leitor pode imaginar, toda sorte de evidência: extratos bancários, documentos fiscais, comprovantes de pagamento no Brasil e no exterior, contratos fajutos, notas fiscais frias, e-mails, trocas de mensagens, planilhas, vídeos, fotos, registros de encontros clandestinos, depoimentos incriminadores da maioria dos empresários que pagavam Lula. E isso até o momento. As investigações prosseguem em variadas direções. Aguardem-se, apesar de alguns percalços, delações de homens próximos a Lula, como Antonio Palocci e Léo Pinheiro, da OAS. Renato Duque, ex-executivo da Petrobras, deu um depoimento na sexta-feira, dia 5, em que afirma que Lula demonstrava conhecer profundamente os esquemas do petrolão. Existem outras colaborações decisivas em estágio inicial de negociação. Envolvem crimes no BNDES, na Sete Brasil e nos fundos de pensão. Haja prova em cima de papel.
Trata-se até agora de um conjunto probatório, como gostam de dizer os investigadores, para lá de formidável. Individualmente e isoladas, as provas podem – apenas – impressionar. Coletivamente, organizadas em função do que pretendem provar, são destruidoras; em alguns casos, aparentemente irrefutáveis. Nesses, podem ser suficientes para afastar qualquer dúvida razoável e, portanto, convencer juízes a condenar Lula por crimes cometidos, sempre se respeitando o direito ao contraditório e à ampla defesa – e ao direito a recorrer de possíveis condenações, como qualquer brasileiro. Não é possível saber o desfecho de nenhum desses processos.
Ainda assim, os milhares de fatos presentes neles, na forma de provas judiciais, revelam um Lula bem diferente daquele que encanta ao microfone.