A chuva caía forte quando José Francisco Neto, 33, condutor socorrista, saiu para trabalhar. Era sábado (28/05), por volta das 04h50 da manhã. No deslocamento entre UR-2, no Ibura (Cohab), onde mora, e a Central do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) Recife, na Boa Vista, o alagamento apertou. Acabou precisando largar o carro no Bongi, próximo das 8h, seguiu de ônibus e fez outra parte do trajeto a pé. No celular, uma ligação do amigo Fábio Marques, de Jardim Monte Verde, no Ibura: “precisamos de ajuda, a barreira caiu”. Naquele dia, Neto, como é conhecido na região, foi peça fundamental num delicado resgate que salvou a vida do professor Lucas Felipe Macêdo Ramos, 30 anos.
Morador de Jardim Monte Verde, Ibura, Lucas dá aula numa academia e gerencia uma loja de materiais de construção. No início da manhã de sábado, saiu às pressas de casa para socorrer parte dos vizinhos que pediam ajuda na rua. Prontamente, seguiu para a Rua Pico da Bandeira, logo atrás de onde mora. Já havia acontecido um primeiro deslizamento. Chegando lá, ocorreu um segundo, que acabou o soterrando e familiares que também tinham se mobilizado para ajudar. Seu resgate durou cerca de três horas. No episódio, perdeu o irmão, José Felipe, 20 anos; o cunhado, Felipe Santos, 35 anos; e a esposa, grávida de poucas semanas, Nadine Fenelon, 26 anos.
“Estou acamado, mas já melhorando. Consigo andar muito pouco, mas realmente preciso estar mais deitado. Foi muito peso em cima das minhas pernas, estão inchadas, mas tudo seguindo sob controle. A lombar também está muito dolorida. Mas não tive nenhuma fratura. Não quebrei nada. Eles (Samu) estavam muito bem preparados, me acalmaram a todo o momento. Deus guiou todos eles naquele primeiro momento. Principalmente, o que ficou ao meu lado, me dando oxigênio. Eles foram fora de série, sou grato por isso. Salvaram a minha vida. Todos, todos vocês da equipe, da saída de lá até o hospital foram excepcionais”, enaltece Lucas.
Neto pediu autorização à chefia para atender ao chamado de Jardim Monte Verde, por conhecer a área e diversos atalhos para chegar lá. Foi atendido imediatamente. Com dois anos de Samu e 12 de profissão, nunca havia passado por situação similar, onde toda a população ajudava para conseguir salvar a vítima.
“Entramos na zona quente (local que apresenta risco), mas analisamos toda a cena, os riscos, a distância da encosta e vimos o Lucas soterrado do tronco para baixo, pois a população já tinha tirado bastante barro e entulhos. Quando você chega, as pessoas olham como se você fosse a solução. Aquele olhar de esperança da solução, junto com a adrenalina do momento”, rememora.
Fábio, vizinho de Lucas, descreve a participação do Samu Recife como fundamental não só no resgate em si, que durou cerca de três horas, mas também nas instruções a quem se dispunha a ajudar.
“O pessoal do Samu, assim que chegou, deu todo o suporte. Assim que encontramos o Lucas com vida, Neto conseguiu pegar a mão dele, desceu, cavou uma parte, ficou sentado e botou a cabeça do Lucas encostada na perna dele para dar um descanso”, detalha. “Contato com remédio, soro, o tempo todo com Lucas ali e também instruindo a gente como saber cavar, como saber puxar, cortar os galhos. O Lucas sair vivo foi um milagre”.
O reencontro com a equipe do Samu
Na última terça (31/05), Lucas explicitou o desejo de conhecer a equipe do Samu 192 que fez parte do seu resgate. Na manhã desta sexta, 03, o dia chegou. Além de Francisco Neto, condutor da ambulância, estiveram presentes o Dr. Wagner de Oliveira, 47 anos, médico socorrista; Edilene Santana, 33, técnica de enfermagem; e Heverton Silveira, 35, condutor socorrista.
“Quando criança, sonhava em ser super-herói. Pensava em salvar vidas. O Samu me trouxe essa experiência, apesar de eu não ter superpoderes”, conta Wagner, que há 12 anos trabalha no serviço de atendimento. “Aqui podemos trabalhar pela população, salvar vidas. A Prefeitura do Recife também vem fazendo um excelente trabalho, com investimentos constantes tanto em equipamentos como em qualificação profissional, para que possa atender a população sempre da melhor forma possível”.
O médico contou que chegou ao local às 8h da manhã e se deparou com uma cena de guerra, com várias casas soterradas. “Quando chegamos, demos todo o suporte médico que a vítima precisava com o objetivo de melhorar a respiração e diminuir a dor, já que ele gritava muito. Outro ponto importante foi o atendimento humanizado.”
O encontro aconteceu na casa de Lucas, que fica uma rua atrás de onde aconteceram os deslizamentos. Ainda em repouso e com fala serena, não poupou demonstrações de gratidão à equipe.
“Queria deixar gratidão pela vida deles, porque também correram riscos. Que Deus continue abençoando todos, da melhor forma”, enalteceu Lucas. “Sou grato, grato, grato mesmo pela força, pela ajuda, pelo heroísmo, pelo ser humano que foram. Salvam vidas.”