No cemitério São Judas Tadeu, na cidade de Afogados da Ingazeira, não sei onde estão. Só sei que passeando entre covas apertadas, vou olhando cruzes e grades na esperança de ler, numa inscrição de um túmulo qualquer, o nome de antigos moradores da cidade que a memória busca resgatar.
Desmantelo, aquele que andava desmantelado, daí o nome, filho dileto de Antônio Sebinho e que merece uma açucena de lembrança.
Quero por uma vela no chão bruto onde estão os restos mortais de Pedro “Malavaia” (mala velha), aquele que andava com um saco nas costas cheio de catrevagens. Era o terror das crianças.
Onde estão os ossos de Zé Doído? Aquele que era brabo e imprevisível.
Quero adornar a cova de Coqueirão, aquela que em vida foi a mais adornada das mulheres?
Que andava pintada, arrumada, sempre com um girassol em cima do peito esquerdo.
E Dom João, aquele ancião, gordinho, cabelos grisalhos, com uma chapa de ferro na boca, cajado para ajudá-lo a andar, posto que era cego. Para você, afogadense, minhas orações.
Júlio Barrão, onde estão seus ossos, que articulados perambulavam nas ruas da cidade?
E Zé de Filó, também conhecido como “Sovaquinho de Ouro”, apelido que ele não aceitava. Era jogador de futebol. Que Deus o tenha junto D’ele.
E continuando o passeio, onde a vida se cala, procuro pela cova de Lorde, aquele que andava na ponta dos pés? Gostava de água que passarinho não bebe. Será que está em paz?
Para Relógio, dizia-se que era tão feio, que quando passava o relógio parava. O relógio não parou quando ele se foi.
E a velha Da Luz? Negra que botava água nas casas da cidade. Era da época dos escravos. Na velhice ficou demente, por isto sua zanga quando era perturbada por crianças e adultos.
E onde está Zé Pretinho, aquele que subia e descia ladeiras e ruas, falava e gesticula sozinho.
Onde estão tantos conterrâneos esquecidos na nossa memória?
O tempo, às vezes, insiste em nos fazer lembrar de pessoas que passaram por nossa vida e de certa forma fizeram parte dela, talvez na intenção de nos mostrar que devemos por eles orar, pois o lugar onde estão é o único local certo para onde todos nós iremos um dia.
*Maria Lúcia de Araújo Nogueira é Poetisa, Advogada e funcionária aposentada do Banco do Brasil.
Que lindooo!!Parabéns!!!!
Parabéns para a doutora Lúcia Nogueira pelo belo texto onde referenda o nome daqueles esquecidos por muitos. Uma obs: em meu livro lembranças e memórias, falo em todas essas celebridades que fizeram história junto com a minha.
Parabéns pela crônica, muito bem fundamentada e a realidade da vida. Parabéns pela colaboração.
Achei a expressão de uma sensibilidade humana e social enorme o texto da amiga Lucia Araujo. Quem se lembra dos pobres, miseráveis ou loucos nesse mundo? A ordem é fale nos ricos, fale sobre os que obtiveram sucesso econômico, profissional e financeiro. Se a pessoa foi bem sucedida em família, na saúde e no amor, nada disso tem significado, nada disso interessa a ninguém, a exceção de poucos como Lucia. Parabenizo essa conterrânea pelo belíssimo e humano texto e pelas lembranças de minha infância ao lado desses a quem ela “atrevidamente”, para os padrões, os tratou como celebridades. Zé Doido e outros não foram menos importantes nem mais perigosos do que tantos outros loucos que estão por aí ocupando posições de mando neste País e no mundo.
Agradeço à amiga Fátima Brasileiro por ter-me dado a conhecer esse pequeno grande texto de Lucia.