Por Pedro Henrique Gomes e Guilherme Mazui, g1 — Brasília
Em meio à tensão militar na fronteira entre Rússia e Ucrânia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) viaja nesta segunda-feira (14) para Moscou, onde será recebido na quarta (16) pelo presidente russo, Vladimir Putin, e terá encontros com empresários. Em seguida, visitará a Hungria, liderada pelo primeiro-ministro Viktor Orbán.
Trata-se da primeira visita de Bolsonaro aos dois países, ambos governados por políticos considerados autoritários e criticados nos EUA e na Europa Ocidental. Em 2019, Putin esteve no Brasil para participar da cúpula do Brics e foi recebido por Bolsonaro no Palácio do Planalto (foto abaixo).
A Rússia é atualmente o epicentro da maior crise diplomática internacional em curso. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirma que Putin deseja invadir a Ucrânia. A Rússia argumenta que o leste europeu é área de influência do país e quer barrar a entrada da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos EUA.
Segundo especialistas ouvidos pelo g1, Bolsonaro tenta se aproximar de Putin e Orbán em uma nova fase da sua política internacional, com um aceno à base mais radical do presidente, que tenta apresentar Putin como um aliado na pauta de costumes apreciada pelos conservadores brasileiros.
“A Hungria e também a Polônia são países praticamente considerados párias dentro da União Europeia. Países que, assim como a Rússia, têm governos com orientação nacionalista, religiosa, muito conservadora e, claro, há uma certa semelhança com o próprio governo Bolsonaro. São governos que estão em conflito com as democracias liberais. Essa visita, pelo roteiro escolhido, tem conteúdo bastante provocativo na conjuntura internacional”, afirma Maurício Santoro, doutor em Ciência Política e professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Em três anos de mandato, dos quais dois sob a pandemia de Covid-19, período em que reduziu o ritmo de viagens, Bolsonaro visitou 17 países, com os EUA como o principal destino. Ele foi cinco vezes aos EUA, quatro no governo do ex-presidente Donald Trump, de quem é admirador – os dois se encontraram duas vezes no país.
O embaixador aposentado Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington, diz que a viagem à Rússia indica uma diplomacia confusa.
“É contraditória a viagem à Rússia neste momento, por um país [o Brasil] que na gestão Trump se tornou aliado extra-Otan, status que os EUA conferem a seus parceiros na área militar”, afirmou.
Com a derrota de Trump para o atual presidente Joe Biden, a relação entre Brasil e EUA esfriou. Sem provas, Bolsonaro endossou a tese de fraude nas eleições norte-americanas de 2020 e, até o momento, não se encontrou com Biden.
“Desde a derrota de Trump, Bolsonaro está isolado na esfera internacional. A ida à Rússia pode ser vista como uma forma de se aproximar de líderes conservadores. É uma tentativa de sair desse isolamento”, analisa Larlecianne Piccolli, PhD em Estudos Estratégicos Internacionais e diretora de pesquisa do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape).
Também há distanciamento em relação a países da União Europeia. Bolsonaro, que foi duas vezes à região, tem histórico de atritos com França e Alemanha na questão ambiental e tem sido criticado pelo comportamento negacionista na pandemia.
“Bolsonaro é uma pessoa tóxica, tem dificuldade para ser recebido. Se ele encontrar alguém que queira recebê-lo, tem que ir mesmo”, avalia o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira.
Para Fabiano Mielniczuk, doutor em relações internacionais e coordenador do programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a aproximação de Bolsonaro com Putin indica uma mudança em relação à política externa do início do mandato, quando o Itamaraty era comandado por Ernesto Araújo, substituído em 2021 pelo atual chanceler Carlos França.
“O encontro pode ser lido como um apoio tácito do Brasil às ações de Putin. Isso significaria uma mudança importante da postura de Bolsonaro, que afastou o Brasil da Rússia no início do seu mandato por esvaziar iniciativas conjuntas dos dois países no passado, como os Brics, visto pela chancelaria bolsonarista como um agrupamento ideológico liderado pela China”, diz.
Especialistas ouvidos pelo g1 entendem que o atual chanceler, Carlos França, tenta dar mais pragmatismo à atuação da diplomacia brasileira, o que envolve a tentativa de manter relacionamento seja com EUA, seja com Rússia.
Contudo, as visitas à Rússia e à Hungria mostram que questões ideológicas não ficaram de lado, em especial em um ano no qual Bolsonaro tentará a reeleição.