Home » Sem categoria » Plano diretor e o desenvolvimento que queremos para Afogados da Ingazeira

Plano diretor e o desenvolvimento que queremos para Afogados da Ingazeira

Heitor Scalambrini Costa – Morador de Afogados da Ingazeira

Em uma bela e emblemática região do Alto Pajeú, em pleno semiárido pernambucano, o município de Afogados da Ingazeira, distante 380 km da capital Recife, iniciou o processo de atualização de seu Plano Diretor e da Defesa Civil.

Processo que envolve a definição de questões que afetam os cidadãos e cidadãs em vários aspectos voltados ao presente e futuro do município. As bases para o planejamento das cidades estão estabelecidas no Estatuto da Cidade (lei 10.257/2001) e na Constituição Federal de 1988. O Estatuto da Cidade é considerado como o principal marco legal para o desenvolvimento das cidades, estabelecendo as normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.

O Plano Diretor, regulamentado pelo Estatuto da Cidade, disciplina temas como as regras para construção das edificações, a mobilidade, a implantação de áreas de loteamento, a configuração de ruas e avenidas, o saneamento, a destinação do lixo, a preservação do meio ambiente, entre outros.

O município, entendido como área urbana e rural, é a casa de todos moradores e por todos deve ser organizada e planejada. Cada município tem suas questões fundamentais, mais importantes, suas particularidades que devem ser identificadas e enfrentadas na revisão do Plano Diretor.

Um trabalho que merece ser destacado para a realização do Plano Diretor, e que propõe uma metodologia participativa e inclusiva, e estratégias para sua confecção foi desenvolvido pelo ex-Ministério da Cidade, no ano de 2005, e um livro lançado na Campanha “Plano Diretor Participativo – Cidade de Todos”, chamado “Plano Diretor Participativo: Guia para Elaboração pelos Municípios e Cidadãos”. Este guia está fundamentado em três eixos estruturadores, cujos temas são comuns a todas as cidades brasileiras: Inclusão territorial – assegurar aos pobres o acesso à terra urbanizada e bem localizada, garantindo também a posse segura e inequívoca da moradia das áreas ocupadas, por população de baixa renda; Justiça social – distribuição mais justa dos custos e dos benefícios do desenvolvimento urbano e rural; Gestão democrática – aplicar instrumentos que assegurem a participação efetiva de quem vive e constrói o município nas decisões e na implementação do Plano.

Assim, é esperado que o Instituto de Desenvolvimento Tecnológico do Centro-Oeste (ITCO), contratado para dar consultoria técnica a revisão do Plano Diretor, adotando ou não a proposta metodológica e estratégias do trabalho do ex-Ministério das Cidades, garanta que o resultado seja uma construção coletiva e democrática. E que as soluções e alternativas sejam para minimizar as grandes questões e problemas do município; e potencializar o que de melhor tem Afogados da Ingazeira. O Plano Diretor atualizado deve estar dirigido no rumo do desenvolvimento que queremos para a cidade.

Alguns aspectos preliminares devem ser discutidos e debatidos sobre o desenvolvimento que queremos. Sabemos que o objetivo prioritário da economia dominante é o crescimento econômico, cuja medida do crescimento é o PIB (Produto Interno Bruto). Nos é dito que quanto mais produzir, quanto mais vender, melhor é o país, melhor é o município, e assim melhor será sua economia. Crescimento tornou-se sinônimo de aumento da riqueza. Dizem que precisamos ter crescimento para sermos ricos o bastante para diminuirmos a pobreza (fazer o bolo crescer para depois dividir). Mas o crescimento não é suficiente para acabar com a pobreza. Nos Estados Unidos há evidência de que o crescimento atual os torna mais pobres, aumentando os custos mais rapidamente do que aumentando os benefícios.

No Nordeste, as referências de desenvolvimento apontam para o Sul e Sudeste. Somos induzidos a pensar que o desenvolvimento está ligado a eventos como à chegada de novas empresas que vêm aqui se instalar, a vinda de capitais de fora que para cá são atraídos por diversos fatores (recursos naturais, posição geográfica, oferta de mão de obra barata, incentivos fiscais, frouxidão na aplicação da legislação ambiental), ou ainda pela realização de grandes investimentos públicos em obras ou instalações.

Atualmente, o termo desenvolvimento é usado como um sinônimo para crescimento. Mas afinal o que é crescimento? O que é desenvolvimento?

Crescimento e desenvolvimento não são a mesma coisa. Crescer significa “aumentar naturalmente em tamanho pela adição de material através de assimilação ou acréscimo”. Desenvolver-se significa “expandir ou realizar os potenciais; trazer gradualmente a um estado mais completo, maior ou “melhor”. Quando algo cresce fica maior. Quando algo se desenvolve torna-se diferente.

Não devemos nos iludir na crença de que o crescimento é ainda possível se apenas o rotularmos de “sustentável” ou o colorirmos de “verde”. Apenas retardamos a transição inevitável e a tornaremos mais dolorosa. Crescimento, para que constitua base de um desenvolvimento sustentável, tem de ser socialmente regulado, com o controle da população e com a redistribuição da riqueza.

Já o conceito de desenvolvimento sustentável propõe uma maior igualdade com justiça social e econômica, e com preservação ambiental. Espera-se que a progressiva busca da igualdade force a ruptura do atual padrão de consumo e produção capitalista, visto que a perpetuação deste modelo contemporâneo não é sustentável. Pois, se caso o padrão de consumo dos países ricos fosse difundido para toda a humanidade, seria materialmente insustentável e impossível. Este padrão de consumo para existir, alcançado e propagandeado pela economia capitalista contemporânea, requer a exclusão e a profunda desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres.

Portanto, o progresso desejado não é fazer obras em detrimento de comunidades e ecossistemas. Há que mudar o paradigma do lucro para a qualidade de vida da população. Enquanto isso não ocorrer, nossas cidades continuarão, por exemplo, a serem entupidas de carros, pois a indústria automotora paga substancial tributo ao governo, sem que seja oferecido à população transporte coletivo de qualidade.

Em meio a posições conservadoras e atrasadas diante dos desafios, os atuais dirigentes e gestores públicos buscam justificar o crescimento a qualquer custo. O discurso do desenvolvimento econômico nada mais é do que a negação dos direitos fundamentais da pessoa, do meio ambiente e da natureza.

Logo, a estratégia escolhida ao buscarmos o desenvolvimento mais humano, precisa responder às necessidades sociais de alimentação, habitação, vestuário, trabalho, saúde, educação, transporte, cultura, lazer, segurança. Não basta fazer coleta seletiva de lixo, evitar o desperdício de água, substituir os carros a gasolina por carros elétricos. Na verdade, o que é preciso mudar, para interromper a destruição, é o tipo de desenvolvimento vigente. Também o que não se pode perder de vista são os limites da natureza, e a nossa responsabilidade em preservá-la para as gerações futuras.

Diante de algumas provocações e conceitos apresentados, o Plano Diretor é um dos instrumentos de planejamento e organização que devemos dar a devida importância na sua construção. Nos tempos atuais onde desafios planetários e locais são únicos na história da humanidade, somente soluções ousadas, inovadoras e democraticamente discutidas poderão apontar para dias melhores, para os afogadenses, e para toda a humanidade.

Afogados da Ingazeira pode e deve dar o exemplo. O Pajeú idem.

 


Inscrever-se
Notificar de

2 Comentários
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
HELIO NORONHA
2 anos atrás

Excelente manifestação!

J. Cícero Alves Costa
2 anos atrás

Artigo brilhante, bastante esclarecedor. Desses que a gente lê e relê com prazer.

Parabéns ao articulista.