TV Globo e G1 — Brasília
Mesmo com críticas de especialistas e ressalvas feitas pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, deputados tentam aprovar o chamado “distritão”.
Por esse modelo, são eleitos os candidatos individualmente mais votados em cada estado, sem distribuição proporcional das vagas pelos partidos.
O sistema enfraquece a representatividade dos partidos ao desconsiderar votos dados em legendas, segundo cientistas políticos e parlamentares críticos à matéria.
Outro problema apontado por especialistas é que o modelo ajuda a eleger “celebridades” sem um programa partidário, o que, na interpretação deles, é prejudicial para a democracia.
O sistema atualmente em vigor é o proporcional, pelo qual são eleitos vereadores e deputados com mais votos em cada partido — após um cálculo de proporcionalidade que determina quantas vagas cada partido terá direito.
Em audiência pública nesta quarta-feira (9) no plenário da Câmara, Barroso disse que o distritão enfraquece a representação das minorias.
“Vejo que o distritão tem os problemas de não baratear o custo das eleições, enfraquecer os partidos e diminuir a representação sobretudo de minorias. Portanto, eu o vejo com reservas também, mas, de novo, essa é uma matéria para o Parlamento”, disse o presidente do TSE.
Segundo o ministro, o tribunal defende o sistema distrital misto — uma mistura entre os modelos majoritário e proporcional. O sistema majoritário é o que já vigora para senadores, prefeitos, governadores e presidente da República, pelo qual são eleitos os mais votados individualmente.
A junção dos dois modelos obrigaria o eleitor a votar duas vezes: um voto para candidatos em um distrito pré-estabelecido pela Justiça Eleitoral e outro para uma lista de candidatos apresentada pelos partidos.
Na mesma sessão, alguns deputados também criticaram o distritão. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que o distritão é a “personalização da política”.
“Não são as personalidades que individualmente mudam a sociedade, mas os programas apresentados pelos partidos que fundamentam sua atuação. E as lideranças que conduzem o processo político são resultado do coletivo. A proporcionalidade do Parlamento é fundamental para a democracia. E os partidos são instrumentos para isso”, disse.
A deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) chamou a alteração de “retrocesso gigantesco para a eleição de representantes dos diferentes recortes da nossa sociedade”.
“Ou estabelecemos cotas para todos os grupos sociais em um sistema majoritário, ou há de se preservar um elemento proporcional nas eleições”, disse Joenia Wapichana.
Alternativas
Na tentativa de vencer as resistências na Casa, deputados articulam duas alternativas para o distritão.
Uma delas seria o “distritão misto”, que destina metade das cadeiras para o formato majoritário e mantém a outra metade no modelo atual, proporcional. Nesse caso, o deputado que entrasse pelo modelo distritão não “puxaria” votos para o proporcional.
A relatora da proposta de emenda à Constituição (PEC) na comissão especial sobre o assunto, deputada Renata Abreu (Pode-SP), disse que esse seria um “meio termo” entre quem é contra e quem é a favor e poderia ser uma forma de transição para o distrital misto defendido por Barroso.
“É um sistema que atende a todos os anseios. Quem quer o distritão, que tem um receio em relação à construção da chapa, então teria uma parte que seria distritão. Quem quer proporcional, [quer] continuar com o voto de legenda, se elege no proporcional”, disse a relatora.
Para a deputada, o modelo acabaria com os “puxadores” de votos, candidatos eleitos com votação expressiva que acabavam “puxando” outros da mesma legenda com pouquíssimos votos. Nesse caso, os votos de quem entrasse pelo distritão seriam descontados do sistema proporcional.
Deputados também avaliam, como alternativa, a aprovação do distritão com exigência de fidelidade partidária para o político eleito que fizer campanha com recursos dos fundos partidário e eleitoral.
Hoje, quem se elege no sistema majoritário, ou seja, apenas pela quantidade individual de votos, como prefeitos, governadores, senadores e o presidente da República, têm a permissão para trocar de partido.
Para deputados federais, a lei prevê situações específicas em que a troca pode ser feita, como a mudança de conteúdo programático de uma sigla.
Caso o parlamentar se desfilie sem preencher uma das hipóteses previstas, ele pode ser enquadrado em infidelidade partidária e perder o mandato.
A mudança proposta prevê que, mesmo no sistema majoritário, políticos eleitos com recursos ligados a siglas sejam enquadrados em infidelidade caso queiram se desfiliar.
Reservadamente, deputados avaliam que a fidelidade partidária pode sofrer resistência no Senado, uma vez que alteraria um benefício hoje previsto aos senadores — a possibilidade de trocar de legenda com mais facilidade.
Segundo Renata Abreu, se o modelo misto for aprovado, não haveria necessidade de estender a fidelidade partidária para os cargos que hoje são majoritários.
“Como é misto, se alguém do distritão sai [do partido], você tem algum suplente do proporcional para assumir, diferente do distritão puro.”
Mesmo com as alternativas, contudo, especialistas mantêm as críticas ao novo sistema eleitoral.
“[O distritão misto] é ruim porque ainda produz muita distorção na representação, hipertrofia o personalismo e beneficia os mais endinheirados. Ou seja, mantém todos os defeitos do anterior, só que restritos à metade dos eleitos”, avalia o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Cláudio Couto.
“Tivemos uma reforma muito positiva há alguns anos [2017]. O correto seria deixar que ela produzisse seus frutos. Ficamos mudando as regras do jogo o tempo todo, sem permitir que nada se consolide.”
‘Manobra’ na tramitação
Quem defende o distritão articula uma manobra para acelerar a tramitação da matéria, pulando a tramitação na comissão especial para que a proposta seja votada diretamente em plenário. Para que o novo sistema esteja válido nas eleições de 2022, precisa ser aprovado até outubro deste ano.
Pelo regimento, porém, só seria possível levar a proposta direto para o plenário após 40 sessões da comissão especial ou se o relatório fosse votado no colegiado.
Segundo o líder do DEM, deputado Efraim Filho (PB), a tendência é “dar uma chance” ao relatório da deputada Renata Abreu, para “prestigiar” a comissão instalada com o objetivo de discutir o texto. Se não for aprovada no curto prazo, a proposta pode ser votada diretamente no plenário.
“Se não acontecer a curto prazo, não dá para esperar muito e pode ser votado direto em plenário, articulado também com os presidentes de partidos”, afirmou.
“A ideia é conseguir votar antes do recesso para enviar ao Senado em tempo hábil para ser apreciado até outubro”, disse o líder.
Outra possibilidade seria a aprovação na comissão especial do que está sendo apelidado de “emendão” — isto é, todas as alterações sugeridas pelos deputados. Somente no plenário votariam o que querem ou não manter.
“Teria dois caminhos”, diz Renata Abreu. “Se tiver o ‘emendão’, o plenário destaca o que quer destacar e aí pode votar várias coisas, ou fazer um acordo para votar alguma coisa [de consenso] na comissão [e depois enviar a plenário].”
Por se tratar de uma alteração na Constituição, a proposta precisaria ser aprovada em dois turnos por pelo menos 308 votos na Câmara e 49 votos no Senado — isto é, três quintos dos parlamentares.
“Há um sentimento na Casa hoje de que o voto majoritário tem a maioria. A dúvida hoje é saber se essa maioria atinge o quórum constitucional de três quintos. Entendemos que sim, tem a capacidade de atingir esse quórum constitucional e o que tem que prevalecer neste plenário é a vontade soberana de seus pares”, disse o líder do DEM, Efraim Filho, durante a sessão deliberativa da última quarta-feira (9).