Centenário

Por: Milton Oliveira 

Sabemos que a criatura humana é dotada de qualidades que podem ser exercitadas visando alcançar o bem ou o mal. Graças a Deus que, entre aqueles com quem convivo, tenho a satisfação de vê–los movidos pela salutar preocupação de conquistar o máximo de amigos, haja vista que são os amigos a maior fortuna que conseguiremos adquirir durante nossa existência. 

Fui agraciado com têmpera cordata e isso me ajuda, sobremaneira, a ter ao meu lado pessoas com gênios variados e que buscam a comunhão da fraternidade, onde qualquer palavra de agradecimento se converte em singelo gesto de gratidão. Evidentemente que em dadas circunstâncias, notadamente naquelas em que impera a insensatez, ha desarmonia e ressentimentos, mas se extinguem na primeira esquina da humildade. 

Ser modesto não é só uma venturosa qualidade; acima de tudo é o exercício daquilo de melhor que há de Deus dentro de nós. E como tenho encontrado pessoas com esse mavioso pendor! 

Na adolescência, conheci um cidadão que era o exemplo vivo do comedimento. Tinha pouca cultura, tímido, educado, carregava nas mãos a mágica do versejar, como se as rimas obedecessem, cegamente, suas ordens de inspirado vate. 

Reunia ao seu redor inúmeros apreciadores. Onde chegava, esparramava o tapete de poesias, deixando todos maravilhados. Sua maneira simples de lidar com as rimas era um insulto para mim e vários dos meus amigos, todos seus sinceros admiradores, que nos encantávamos sem saber como ele conseguia tanto, de maneira tão singela. 

Fosse outro o local do seu nascimento, e não este sertão tórrido onde se criou, e seu nome estaria incluído entre os dos grandes vates nacionais, como ocorre com Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e tantos outros. Mas não, nascido entre os grotões secos e sob o clima árido do Nordeste, era o nosso Patativa do Assaré, bardo de qualidade incomparável e com potencial dos mais nobres na arte da versificação poética. 

Quincas Rafael estaria completando cem anos no próximo dia 02 de março, se vivo fosse. Apesar do silêncio de sua voz, o vento não cessa de cantar os maravilhosos versos desse versejador sertanejo da Vila de Jabitacá. 

Direcionou para o bem sua existência de homem simples. É uma pena que as novas gerações não o tenham conhecido e aprendido com ele como é bom ser digno e honesto, como é milagroso usar a poesia para o engrandecimento da raça humana. 

Assim foi Joaquim Rafael de Freitas, o Quincas Rafael, poeta de raciocínio rápido e sentimento à flor da pele. 

Bem que eu poderia ter aprendido com a generosidade de seu espírito o quanto é gratificante ser modesto. O professor era dos melhores; o aluno nem tanto. Fica, portanto, o exemplo. Colha–o quem quiser assimilar o que é ser bom e justo, porque poeta daquela qualidade, por mais que se tente, é impossível chegar a tanto. Deus só permite que as águas do rio corram no mesmo leito apenas uma vez, no próximo inverno será uma nova enchente. 

Fevereiro /2021.