Por: Evaldo Costa
Uma das traições mais duras à memória de um homem como Miguel Arraes é reivindicar privilégio em decorrência de relação de parentesco com ele. Porque se houve um homem avesso à odiosa prática que é dar o que é de todos aos seus – este homem foi Miguel Arraes.
Força política e oportunidades não faltaram a ele. Pode-se dizer que teve duas carreiras políticas, cada uma delas entre as mais bem sucedidas da história pernambucana. Na primeira, interrompida pela ditadura, foi secretário da fazenda (duas vezes), deputado estadual, líder da oposição, prefeito do Recife e governador do Estado. Na segunda, foi deputado federal (duas vezes) governador do estado (duas vezes) e presidente nacional de um dos partidos mais importantes da república.
Se quisesse, Arraes, patriarca de numeroso clã, poderia encaminhar um dos seus dez filhos, ou mais de um deles, para candidaturas às mais diversas. Poderia pedir que fossem nomeados para cargos de secretário ou presidente de estatal em governos de aliados. Um pedido dele jamais seria recusado.
Mas Arraes nunca nomeou, assim como nunca pediu a qualquer aliado que nomeasse filho ou neto para posições de relevo na máquina pública. Enquanto viveu, o sobrenome Arraes foi mais ônus do que bônus, pois ele próprio tratava de desencorajar iniciativas bajulatórias que – sim! – ocorreram. “Não tenho parentes na vida pública”, fulminava.
E quanto a Eduardo Campos? – por certo alguém estará perguntando. Não foi como neto de Arraes que ele se fez? Quem acompanhou de perto a dura caminhada de Eduardo para conquistar os espaços que ocupou, o parentesco foi, muitas vezes, obstáculo.
Lembro de um episódio ilustrativo. No começo da legislatura de 2003, Eduardo tentava ser líder da bancada do PSB na Câmara dos Deputados e enfrentava a resistência do avô, também deputado e presidente do partido. Em dado momento, Eduardo chegou a Arraes com uma folha de papel com declarações de voto de TODOS os deputados do PSB, exceto dois – o próprio Arraes e Eduardo Campos. Só assim derrubou a resistência. Só deste modo foi líder.
É claro que Arraes tinha Eduardo na mais alta conta. É obvio que reconhecia nele o talento excepcional e uma capacidade de liderança rara. O que ele não admitia era ser visto como praticante do nepotismo ou qualquer outra forma de concessão familista. Isso, não! Nunca!!
Alinho estas observações perplexo com os rumos tomados pela campanha municipal do Recife. Com desgosto, observo o contorcionismo politico da candidata Marilia Arraes, que alardeou um suposto direito natural à candidatura por ter o sobrenome Arraes enquanto se encastelava no PT para enfrentar o PSB, partido que Arraes refundou e deu expressão nacional.
Pra não restar dúvidas: se Arraes estivesse entre nós, Marilia não seria candidata a prefeita do Recife por ser neta e teria que encaminhar suas aspirações nos fóruns próprios do Partido dele, o PSB.
Sobre o PT, a legenda escolhida por Marilia, é bom que se diga, em mais de uma situação deu a Arraes tratamento que seria indigno ao mais figadal adversário politico. Cito, em particular, aquela tarde na qual várias dos atuais companheiros de palanque de Marilia irromperam na Praça da Republica entoando o grito de guerra “Arraes caduco, Pinochet de Pernambuco”.
Grito de guerra abominável em tudo por tudo, mas principalmente por ser quase tão cruel quanto a deposição, a prisão e o exílio impostos por militares golpistas a um dos homens públicos mais corretos e mais ciosos dos seus compromissos com a ética, a justiça e a solidariedade com os que mais precisam.
Sai dessa, Marilia! Enquanto tens tempo. Ou, por outra, segue tua caminhada no rumo da perdição, não sem antes reconhecer que esta tua candidatura nada tem a ver com o pensamento e a prática positiva de Miguel Arraes de Alencar.