No contexto da Guerra Fria, durante um dos maiores conflitos político e ideológico do século XX, entre os Estados Unidos capitalistas e a extinta União Soviética socialista, a Igreja Católica Apostólica Romana jamais abandonou sua missão evangelizadora.
Apesar dos equívocos em sua trajetória eclesiológica, a Igreja Católica procurou se reconciliar com o Evangelho e não se distanciar do povo, corpo místico de Cristo. Significa que almejou preservar as condições de superar seus próprios limites históricos, optando, preferencialmente, por salvaguardar a promoção da dignidade humana e superar qualquer condição de opressão.
Diante do avanço de um mundo intolerante, excludente e desumano prefigurado, por um lado, de acordo com um sistema capitalista selvagem, predominantemente, cristão; e, por outro, através de um comunismo ateu e avesso ao sagrado, a Igreja Católica guardou a fé (fides), sem se afastar da razão (ratio), a fim de emancipar a pessoa humana de todo projeto de poder de dominação política, econômica e social.
A conscientização crítica como política pedagógica de educação popular reconfigurou o ensino e a aprendizagem no Nordeste brasileiro. Através de um processo de formação contextualizado à luz de uma metodologia de ensino dialética, o povo, especialmente pobre, conseguiu compreender melhor seus problemas de vida. Excluídos do pacto político nacional, os pobres passaram a analisar, mais conscientemente, as principais causas históricas de retrocessos sociais para tentar superar seus desafios de maneira autônoma, livre e organizada.
O saber teológico e o científico dialogaram, consubstancialmente, na construção do Magistério da Igreja Católica, enquanto fundamento epistemológico de formação cristã, doravante a proposta catequética, pastoral e missionária da tradição Apostólica. Por isso, convicta de sua missão restauradora cultural do mundo, a Igreja Católica, no final da década de 1950, inaugurou um projeto revolucionário de alfabetização no Brasil, com a criação das Escolas Radiofônicas.
Em 1957, D. Eugênio Sales, então Bispo-auxiliar da Arquidiocese de Natal-RN., implantou a considerada primeira rádio escola potiguar. Consoante o respaldo de sua extraordinária vocação pastoral, foi designado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para conhecer as experiências de radiodifusão educativa do movimento Acción Cultural Popular. Integrado às comunidades rurais e indígenas era organizado por uma ampla rede de escolas radiofônicas, sob a coordenação eclesial do Mons. José Joaquim Salcedo, em Sutatenza na Colômbia.
A pioneira Emissora de Educação Rural foi concedida pelo Decreto nº 43.729, de 21 de maio de 1958, no âmbito de estratégias de valorização e difusão do trabalho socioeducacional preconizado pelo Serviço de Assistência Rural (SAR) da Arquidiocese do RN. A partir disso, em 1961, a CNBB e a Representação Nacional das Emissoras Católicas (RENEC), conseguiram celebrar, com o Governo Federal, através do entusiasmo nacional-desenvolvimentista do Presidente da República, recém eleito, Jânio da Silva Quadros, um convênio com o Ministério de Educação e Cultura (MEC).
A perspectiva do projeto de rádio educação como proposta de formação cidadã foi concebida de acordo com as diretrizes da Educação de Base da UNESCO para superar o analfabetismo na América Latina. Assim, o episcopado brasileiro cria o Movimento de Educação de Base (MEB), em 21 de março de 1961, a partir do Decreto nº 50.370, cujo aporte de recursos públicos federais financiou os cinco primeiros anos do programa, entre 1961 a 1965.
Estruturava-se, portanto, uma rede escolar radiofônica de dimensão nacional. Ancorada por uma gestão de controle hierárquico episcopal e com fundamento na Doutrina Social da Igreja. A consolidação de uma nova teologia, alicerçada por um vigoroso compromisso de fé, marcado pelo desejo de transformação do mundo, incorporou a ação pastoral da CNBB para combater as contradições da miséria social no país, elevado índice de analfabetismo, baixa escolarização, precárias condições de higiene e baixo nível de técnica produtivas.
Assegurar o progresso econômico era prioridade porque a agenda programática, especialmente para o campo, estava delineada com a publicação da Encíclica Pacem in Terris do Papa João XXIII. Para isso, foi preciso fortalecer o Movimento de Educação de Base (MEB), junto à população pobre e do meio rural nordestino, introjetando valores norteadores do cooperativismo, do associativismo e sindicalismo na produção econômica, com a finalidade de superar subdesenvolvimento.
Em conformidade com os desígnios do Concílio Vaticano II e em sintonia com o Papa João XXIII, a CNBB posicionava-se em defesa da paz e do bem-estar social, mas revelava as injustiças sociais e a situação de miséria dos camponeses(as) e trabalhadores(as), discutindo reformas e revisões das estruturas de poder nacionais, através das reformas agrária, tributária, trabalhista, administrativa, eleitoral e educacional.
Em outubro de 1963, o sistema de rede integrado de emissoras Católicas funcionava com 60 Centros Radiofônicos de Educação no território brasileiro. Com atuação expressiva no Nordeste, o Movimento de Educação de Base (MEB) atingia 92% dos municípios do Sergipe e 80% dos Pernambucanos, com nove Sistemas Radiofônicos localizados em Recife, Afogados da Ingazeira, Nazaré da Mata, Itacuruba, Caruaru, Garanhuns, Pesqueira, Palmares e Petrolina.
Os preceitos do humanismo católico foram incorporados à construção de uma consciência histórica transformadora. Tendo a cultura como substrato pedagógico de formação política, a Rádio Pajeú de Educação Popular contribuiu em Pernambuco, juntamente com as emissoras do Ceará e do Rio Grande do Norte, entre 1961 e 1965, através das Escolas Radiofônicas, com a formação de 234.409 (duzentos e trinta e quatro mil quatrocentos e nove) alunos do total de 383.538 (trezentos e oitenta e três quinhentos e trinta e oito) concluintes do Movimento de Educação de Base no país (MEB).
Durante o Doutorado em Educação avançaremos na investigação com o objetivo compreender melhor o Movimento de Educação de Base (MEB) e a contribuição da Rádio Pajeú neste processo de formação popular.
Paz e bem!
Carlos Eduardo Queiroz Pessoa – Professor de Filosofia, Sociologia e Direito. Cidadão afogadense.