Por: Milton Oliveira
Na sala de casa, encontrando-me sozinho, sinto que o som ligado me transmite o encanto que as músicas provocam num espírito carente de ternura. Um livro para me distrair termina tendo por destino único encantar-me os olhos e afagar-me a alma ébria de emoção. Nenhuma pessoa com quem conversar e o insulamento sentado na cadeira ao lado, como se eu fosse um doente contagioso.
A sensação de abandono empresta-nos a invulgar liberdade somente experimentada por meio do pensamento desobrigado. Então, abrem-se as portas para o regozijo da distração.
Vejo que, com o passar do tempo e mesmo sem prestarmos atenção, não fica difícil concluir que inúmeras mudanças se operaram, em todos os sentidos, sem que tenhamos qualquer interferência na evolução delas. Nos cabelos, nas linhas do rosto, na saliência do abdômen, nas rugas das mãos, na disposição para o desempenho de certas tarefas (inclua-se o amainar do vigor para a prática do ato sexual, temor da maioria dos homens na idade madura), na perda dos neurônios, na intensidade do olhar, em tantas outras coisas mais.
Modificações que, igualmente, processaram-se ao nosso redor. Os filhos cresceram e não se encontram ao nosso lado, já hospedamos a morte no lar mais de uma vez, os sonhos não se concretizaram como planejávamos, a situação financeira não é a pretendida, a maioria dos amigos mora noutras cidades e os atuais têm ânimo diferente daqueles, a casa própria e o automóvel não nos trouxeram a satisfação completa.
As alterações suscitadas operaram-se, de igual forma, na cidade onde moramos. Onde existia uma modesta residência, nas ruas do centro em particular, agora se tem um ponto comercial, no mais das vezes com dois, três andares. As artérias públicas são quase todas calçadas, as praças têm jardins e a iluminação deixa as noites menos escuras e sombrias.
Até nos burgos se pode verificar significativas mudanças: restaurante, pizzaria, mercadinho, salão de festa, correspondente bancário. Quem dispunha dessas novidades há vinte, trinta anos? Quando muito, uma sorveteria.
Saíram de moda os jogos de sinuca, as conversas na frente do cinema (que pena, até o cinema perdeu o glamour e cerrou as portas!), os passeios pelas praças, a paquera, o namoro, a carta de amor. Meu Deus! Quem nunca vivenciou essas coisas jamais saberá o sabor da mais singela felicidade.
A humanidade, aos poucos, se encaminha para o abismo da solidão coletiva, que outra coisa não é senão o martírio lento e atroz. Hoje, infelizmente, a maioria das conversas é feita através do celular ou do computador, sem calor humano algum, sem a verdade indispensável de quando se olha nos olhos, sem outra emoção além do toque acionado pela ponta dos dedos.
É a evolução da vida, dirá alguém. Pode ser. Mas teria de ser assim, amiudando os sentimentos e alargando a solitude?
Chegará o dia em que o sufocante peso da solidão coletiva não será apenas uma escolha, mas fria regra geral. Então, no meio da turba nojosa haverá quem torça para encontrar um desocupado com quem possa trocar duas palavras, um sorriso e um abraço.