Arrisco dizer que, nessa “necrodisputa”, o isolamento partiu na frente. Senão vejamos.
Começando pela própria assistência à saúde da população. O impacto da recomendação de “ficar em casa” e, consequentemente, de fechar ambulatórios, internações e cirurgias ditas eletivas, ou seja, “sem urgência”, tem sido imenso. As pessoas estão sofrendo e morrendo de doenças tratáveis. Se a espera para se operar de próstata ou de vesícula já eram superiores a um ano em muitos hospitais públicos, como ficarão agora? Tumores malignos que podiam ser diagnosticados precocemente e curados estão crescendo e se disseminando. Diabéticos, hipertensos e cardiopatas estão morrendo por falta de controle das suas doenças. Os programas de transplante de órgãos – para falar de uma realidade que me é mais próxima, sofreu uma desaceleração brutal. Minha equipe estava fazendo pouco mais de dez transplantes de fígado por mês, em doentes graves, que só tinham essa chance. Pois bem, nas últimas três semanas fizemos apenas um. Os doentes, aqui e no Brasil inteiro, estão sofrendo e morrendo nas listas de espera, sem a chance do transplante.
Ocorre que, diferentemente dos casos fatais da covid19, esses óbitos, que estão ocorrendo às centenas no País, não estão sendo contabilizados, tampouco noticiados pela imprensa.
Agora, somem-se a isso as vítimas do desemprego, da fome e da violência que poderão acontecer em consequência da profunda crise econômica que se avizinha.
Enquanto isso, a Organização Mundial de Saúde e a grande mídia nacional, têm defendido o isolamento absoluto, com muita razão, mas de maneira dogmática, sem dar espaço para ponderações divergentes. Não levam em consideração que o Brasil não é a Alemanha. Que nos países do primeiro mundo, ricos, os efeitos da quarentena não serão tão graves quanto aqui.
Talvez devêssemos pensar nossa própria estratégia de combate ao vírus, levando em conta nossas fragilidades. Sem copiar cegamente modelos da OMS. E com muito pragmatismo, como, aliás, estão fazendo outros países.
Se existe uma medicação devidamente testada, barata e de baixa toxicidade, por que não montar uma rede de tele-consultas e prescrevê-la para a população com sintomas característicos da doença, ainda em casa, com o devido acompanhamento? Por que não reabrir imediatamente os serviços médicos dos hospitais públicos? Por que não pensar em prescrever o remédio em dose baixinha, preventiva, para os vulneráveis que, na prática, por dificuldades econômico-culturais, não conseguirão ficar isolados? Isso feito, por que não pensar em reabrir o comercio, os restaurantes e as escolas, mantendo-se os cuidados que todos conhecem a essa altura? São dúvidas que deviam, pelo menos, serem postas em discussão.
Finalmente, quero dizer que não enxergo “invasão de privacidade” pedir ao Dr. Uip que revele se tomou o remédio. Pelo contrário, face às circunstâncias, vejo nisso uma obrigação e um dever. Ademais, fica o receio de que essa coisa esteja sendo excessivamente politizada.
Cláudio Lacerda – Professor (UPE e Uninassau) e Cirurgião Transplantador de Fígado
cmlacerda1 @hotmail.com