Home » Sem categoria » O desespero da cobra caninana

O desespero da cobra caninana

Por Maciel Melo

Sorrateira, camufla-se entre a folhagem. Rasteja na aridez dos sertões e se embrenha nas caatingas para fugir da maldade do bicho homem. O sol encandeia, mas não incendeia por si só; é preciso uma faísca, um tição, uma fagulha ou uma combustão qualquer que provoque uma labareda.

Um réptil tentando salvar a própria pele, e a dos outros também. Morna a vida no mormaço, e o cansaço vai apontando o caminho mais curto e mais tranquilo para seguir o percurso da vida. Tem que continuar sua jornada; faz dos desertos labirintos, envereda os sentimentos para se proteger da ganância, do vil metal. É intrépido, é afoito, desafia a morte. A fumaça do óleo diesel lhe cega, lhe entontei-a, tateia, escapa do cano de descarga da geringonça que amedronta, que mata a mata e tudo que é vivente no pouco verde que nela resta.

A terra quente, o chão seco e pedregulhoso queimam-lhe a pele, arranham-lhe o peito, calejando a alma no desvio dos predadores cruéis que vivem a vida inventando engenhocas para destruir os mistérios de Deus.

Anfíbios, répteis, aves, quadrúpedes, bípedes e todos os seres, uni-vos antes que o mundo se acabe, antes que a fumaça cubra todo o azul dos céus.

Que os corações encharquem suas veias, se façam chuva. Que alarguem os rios, que alaguem os brios e não amarguem as nascentes da vida. Que a sensatez troveje nos atos, nos pensamentos e nos desejos, e que se tornem frutos e sementes, antes que a miséria engula o planeta e a misericórdia de Deus se esgote.

Pois quando não houver mais peixes, quando não houver mais rios, quando não houver mais árvores e tudo for deserto, não adiantará lamentar o choro derramado.


Inscrever-se
Notificar de

0 Comentários
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários