Por: Patricia Cerqueira – Advogada, Escritora e Palestrante
É sabido que nos crimes que envolvem violência doméstica sob a alçada da Lei Maria da Penha a fase inicial dar-se-á por manifestação da vítima, Ministério Público, Defensoria Pública ou Autoridade Policial, onde a medida cautelar protetiva de urgência independente de boletim de ocorrência, pois vale a palavra da vítima.
É nesta fase que o Juiz analisa os indícios e provas, aceita ou não a denúncia, concede as medidas protetivas ou mesmo, arquiva o inquérito. Só após a aceitação da denúncia é que começa o processo judicial e, segue até o trânsito em julgado.
Dito isto, tem-se que o Juiz de garantia não é um “modelo” novo pois faz parte do sistema acusatório de vários países como a Itália, França e Chile se traduzindo como sendo a divisão de funções entre processar e julgar com o foco maior de se manter a imparcialidade do Julgador.
Há quem defenda se tratar de um avanço jurídico, principalmente, no que tange à eficácia na aplicação de princípios constitucionais e coibição da corrupção, já outros afirmam que no que tange à Lei Maria da Penha trará inúmeros prejuízos já que se veda a iniciativa do juiz na fase de investigação frente à aplicação das medidas cautelares protetivas de urgência.
Antes de se adentrar no vexe da questão cumpre informar que não se tem hoje no nosso sistema jurídico brasileiro como se operacionalizar o Juiz de garantia pois urge a necessidade de um prazo para implantação a fim de se alcançar a eficácia social e não somente a eficácia técnica.
Além de que e, não menos importante, tem que ser definido o alcance e os efeitos da Lei, resumindo-se então, que hoje, a Lei 13.964/19 por ser formalmente e materialmente inconstitucional inviabiliza a sua implementação imediata.
Quanto à aplicação do Juiz de Garantia aos casos previstos na Lei Maria da Penha e, aos processos submetidos a Júri popular, se repudia, veementemente, por se tratar, ab início, de processos de rito próprios.
Especificamente, no que se refere à Lei Maria da Penha a aplicação do Juiz de garantia fere de morte o princípio da inamovibilidade prevista no art. 95, II da CF, devendo ser afastada a aplicação do art. 3-D, parágrafo único, do CPP que foi inserido pela Lei 13.964/19 (Lei do Juiz de Garantia).
Tem-se que o grande alcance na luta contra o feminicídio é a aplicação das medidas protetivas de urgência para garantia da proteção à vítima conforme dispõe o art. 20 e seguintes da Lei 11.340/06 e, se trata de atuação cautelar na fase inquisitorial.
O Juiz de garantia representa um retrocesso aos avanços trazidos pela Lei Maria da Penha, tratando este avanço de uma conquista histórica na prevenção e coibição da violência doméstica e familiar num país como o Brasil onde, segundo o Anuário de Segurança Pública de 2019, foi registrado um caso de violência doméstica a cada dois minutos no País no ano de 2018.
Além disso, a proteção cautelar oferecida à vítima, via o deferimento das medidas protetivas de urgência é instrumento de quebra do silêncio da vítima e isso é verificado, por exemplo, através do ligue 180 (central de atendimento à mulher).