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Não se fala em outra coisa em Arcoverde, no Sertão do Estado. Nos bancos de praça, bares e restaurantes, para onde se olhe, a conversa é sobre a transferência do delegado Israel Lima Braga Rubis, há pouco mais de um ano à frente da 19ª Delegacia Seccional da Polícia Civil (que também responde por outros nove municípios), para o Departamento de Repressão ao Narcotráfico (Denarc) de Vitória de Santo Antão, no Agreste. A portaria com a mudança foi assinada no dia 25 de agosto pelo secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, e gerou revolta em boa parte da população de Arcoverde. Motivo: o policial é a face mais pop de um trabalho que resultou na redução em 22% nos homicídios na cidade, entre janeiro e setembro deste ano e o mesmo período do ano passado. Isso o leva a ser parado nas ruas para fotos e assediado em restaurantes – recentemente, tem preferido almoçar na casa da namorada.
Mas os números por si não seriam suficientes para tanto. Para se ter uma ideia, o Estado de Pernambuco inteiro apresentou redução semelhante (21%). O diferencial é que o delegado é carismático, extremamente ativo nas redes sociais e maneja com habilidade os meios de comunicação – é habituê em transmissões locais de rádioweb em que costuma soltar frases como “você, criminoso, que está assistindo, pode olhar na minha cara, é essa mesmo”.
A polêmica que antecedeu a transferência de Rubis envolve uma investigação policial que mira o legislativo local. Em agosto, 26 servidores da Câmara de Arcoverde, sendo sete vereadores e 19 assessores, foram inscritos para participar do 37º Congresso Municipalista de Administração Pública, entre os dias 22 e 25 de agosto, em Maceió. Promovido pelo Instituto Municipalista Brasileiro (IMB), o evento ocorreu em um hotel na beira-mar da Praia de Pajuçara, uma das mais badaladas da capital alagoana, entre uma quinta-feira e um domingo. A polícia investiga um suposto esquema de desvio recursos de diárias da Câmara, e há a suspeita de que algumas das pessoas não teriam comparecido ao evento, embora o legislativo tenha gasto, entre inscrições (R$ 700 cada) e diárias, cerca de R$ 54 mil.
INVESTIGAÇÃO
Os vereadores descobriram estar sendo investigados quando foram avisados, pelo coordenador do congresso, que o delegado tinha pedido a lista de presença do evento. No início de setembro, começaram, na tribuna da Câmara, as manifestações de repúdio ao que consideraram abuso de autoridade do policial. No dia 25, veio a comunicação da transferência.
“Quando os vereadores começaram a pedir a saída do delegado, nós nos organizamos para solicitar à SDS para que isso não acontecesse, tendo em vista o bom trabalho que ele fazia na cidade”, comenta o presidente da Câmara de Diretores Lojistas (CDL) de Arcoverde, Paulo Magalhães. “Só que não deu tempo: quando juntamos todos os comerciantes e conseguimos elaborar o documento, a decisão já tinha sido publicada”.
Seguiu-se uma verdadeira romaria em Arcoverde pela permanência de Israel. No dia 27 de setembro, uma manifestação obrigou os vereadores a saírem da Câmara escoltados pela Polícia Militar. Um outro grande evento está marcado para amanhã, às 18h, também em frente ao legislativo municipal, no horário da sessão ordinária.
O timing da operação de transferência levantou a discussão sobre se Israel Rubis teria sido removido por bater de frente com o condomínio que domina a política local. A prefeita Madalena Britto e a presidente da Câmara, Célia Galindo, são do PSB. “Insinuar que a transferência do delegado teve motivação política é desconhecer as razões reais ou tentar manipular os fatos para tirar alguma vantagem com esse processo de desinformação da população”, diz, em uma dura nota, a Polícia Civil.
Mas a política entra, mesmo de forma enviesada, nessa história. Em Arcoverde, as disputas eleitorais são beligerantes. Da mesma forma que se comenta sobre a insatisfação dos vereadores sob investigação, fala-se de um eventual voo político do próprio delegado. Um comerciante, sem se identificar, dispara: “Já ouvi falar que tem gente da oposição chegando junto dele desde que começou esse rolo”. Perguntada sobre o assunto, a presidente da Câmara de Vereadores de Arcoverde, Célia Galindo (PSB), diz que o frenesi em torno de Rubis é político. “Há pessoas que não se elegeram e estão manipulando esse movimento em torno do delegado”. Sobre a suspeita de fraude, ela diz esperar pelo desenrolar das investigações.
A vereadora, por sinal, teve um filho preso por Israel Rubis em dezembro de 2018. A operação Herodes prendeu sete pessoas suspeitas de integrarem um grupo de extermínio no Sertão do Moxotó. Entre eles, estava Onofre Vicente Cardoso Júnior, filho da presidente da Câmara. “Foi um caso relativo a um porte de arma, está resolvido e não tem nada a ver com essa polêmica atual”, diz a parlamentar, que representou contra Israel na Corregedoria da SDS. Por sua vez, o órgão informa que ainda não foi aberto qualquer processo contra o delegado.
Perguntado sobre uma possível carreira na política, Israel Rubis desconversa rapidamente. “Não vou me pronunciar sobre isso”. Mas polícia e política, vale lembrar, têm afinidades maiores que a semântica. Na atual legislatura da Alepe, um deputado, Erick Lessa (Progressistas), elegeu-se seguindo o mesmo script de delegado carismático e envolvido com a população – e também batendo de frente com o establishment político. No final de 2013, então gestor do Interior na Polícia Civil, Lessa coordenou a operação Ponto Final, em que dez vereadores de Caruaru foram presos. Em 2018, nada menos que 78,7% dos 29.128 votos que o policial obteve (22.940) foram de eleitores da Capital do Agreste. Antes, em 2016, ainda com o recall da operação, o policial se candidatou a prefeito. Ficou em terceiro lugar.
Israel Rubis já está lotado na 6ª Delegacia de Repressão ao Narcotráfico, em Vitória. Mas ainda não tem estrutura para trabalhar. Na sexta-feira, o JC foi ao local e a equipe foi informada que as dependências físicas ainda estão sendo montadas. Quem assume a 19ª Delegacia de Arcoverde é o também paraibano e também ex-policial militar Marcos Virgínio Souto – ele e Rubis são amigos e foram PMs juntos na Paraíba. O Ministério Público de Pernambuco deu ao governo do Estado, na última sexta-feira, 72 horas para embasar tecnicamente a transferência de Israel Rubis de Arcoverde para Vitória de Santo Antão. Somado o protesto de amanhã, trata-se de um sinal de que a polêmica ainda renderá alguns capítulos.
ENTREVISTA
Natural de Guarabira, na Paraíba, Israel Rubis, 33 anos, é delegado de Polícia há menos de dois anos. Ex-policial militar, diz acreditar no contato direto com a população como forma de melhorar o trabalho. Para isso, até o número do Whatsapp particular é disponibilizado nas redes sociais – recebe desde pistas sobre crimes até pedidos de ajuda de pessoas com depressão. Perguntado sobre se a fama não seria a porta de abertura para uma eventual carreira política, ele desconversa. “Não vou me pronunciar sobre isso”.
JORNAL DO COMMERCIO – Qual era o panorama da criminalidade em Arcoverde quando o sr assumiu a delegacia?
ISRAEL RUBIS – Assumi em maio de 2018 e o panorama era bem complexo. Em 2017 tinha havido um crescimento de 40% no número de homicídios em toda a região (a delegacia também abrange municípios como Pedra, Buíque e Venturosa). No final de 2018 conseguimos reverter esse quadro e chegamos a uma redução de 12,5%, que é o que prevê o Pacto pela Vida. Foi muito trabalho, não tem outra receita. Trabalho em equipe: nós, Polícia Militar e Polícia Científica. E começamos 2019 com um desafio: reduzir em cima dessa redução. Deixamos a delegacia com 76 registros de homicídio em toda área (até o dia 3 de outubro), contra 99 no mesmo período de 2018.
JC – A criminalidade em Arcoverde e região tem alguma peculiaridade ou obedece à velha lógica do tráfico?
Israel – Temos o problema do tráfico, que é presente em todos os lugares. Mas tem outras motivações, como questões culturais e conflitos na comunidade. Também há outros fatores que influenciam, como pobreza, marginalidade, problemas com habitação e saneamento básico. A gente combate em todas as frentes. Contra a atividade criminosa, com investigações mais robustas e qualificadas. Na área da prevenção, o Estado criou uma secretaria específica para cuidar disso. É imprescindível levar a comunidade a discutir seus próprios problemas.
JC – Falando em comunidade, o senhor virou uma celebridade em Arcoverde. A que credita tanto apoio popular?
Israel – Antes de ser delegado, fui policial militar por 10 anos na Paraíba. Nesse período, sempre trabalhei próximo à população fazendo palestras. Sempre tive esse contato. Sair do gabinete e conversar com as pessoas é essencial. Minhas redes sociais têm meu Whatsapp particular, qualquer pessoa pode entrar em contato comigo. E recebo muitas mensagens, como informações que ajudam a desvendar crimes. Tem muita gente que quer apenas conversar, agradecer. Ontem (quinta-feira, dia em que foi realizada a entrevista) foi uma senhora que disse estar com sérios problemas de depressão e falou que pensava em suicídio. Conversamos com ela a respeito. Enfim, é nosso trabalho com servidor público atender à população. Fechamos crimes difíceis com essa ajuda da população, e acho que ela reconhece esse contato
JC – Qual foi a justificativa da Secretaria de Defesa Social para sua remoção para Vitória de Santo Antão?
Israel – Conseguimos redução substancial da criminalidade, com trabalho e foco. Já estamos com 22% com relação a 2018. Com relação a inquéritos policiais remetidos, são 40% a mais com relação ao mesmo período. Temos a perspectiva de atingir o ano menos violento na região desde 2015. A área de Vitória passa por uma situação difícil, um panorama de aumento na atividade criminal. Então foi por meio desse critério técnico que ocorreu a decisão. Sobre as manifestações populares pedindo a minha permanência, o que posso dizer é que todo servidor fica tocado com o apoio popular. A população é muito carente desse contato mais próximo.
JC – Fala-se que essa mobilização toda em torno do senhor teria despertado, inclusive, pretensões políticas de sua parte. Procede?
Israel – Sobre isso eu não vou me pronunciar.