A privatização de empresas públicas de informática pode representar uma ameaça à segurança e ao sigilo de dados dos cidadãos brasileiros. Foi o que apontaram os participantes da audiência pública promovida pela Comissão de Administração, nesta segunda (14), por solicitação da deputada Teresa Leitão (PT). O encontro debateu a inclusão do Serviço Federal de Processamento de Dados ( Serpro) e da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência ( Dataprev) na lista do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do Governo Federal, anunciada em agosto.
Fundado em 1964, o Serpro tem mais de 9 mil funcionários e é responsável por cerca de 4 mil sistemas utilizados pelo Governo Federal. Passam por esse órgão declarações de Imposto de Renda, emissão de passaportes e carteiras de motoristas, pagamento do Bolsa Família, registros sobre veículos roubados ou furtados, além de informações da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e do sistema para comércio exterior. Já a Dataprev, com cerca de 3.600 empregados, faz a gestão do sistema nacional de pagamento de aposentadoria e de seguro-desemprego. Possui, ainda, registros de nascimento e óbitos, cadastros trabalhistas e detalhes de empresas.
Segundo a presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Informática, Processamento de Dados e Tecnologia da Informação de Pernambuco (Sindpd-PE), Sheyla Lima, um dos princípios da gestão da informação é o de que “o dado acompanha o fim”. “Quando, por exemplo, você entrega a declaração do Imposto de Renda, o conteúdo não pode ser utilizado para outras finalidades. Mas não teremos essa garantia se o dado for processado pelo setor privado. Hoje, informação é poder”, explicou a sindicalista, que atua no Serpro há 36 anos.
“Fala-se atualmente que os dados são ‘o novo petróleo’. Não estão enxergando nossas informações como apoio para políticas públicas, mas como extração de riqueza. O perigo desses conteúdos em mãos erradas é incalculável. Dados médicos e sigilos fiscais poderão ser vasculhados, e pessoas podem ser segregadas em função disso”, ressaltou Geison Savio Vasconcellos, que é gestor da Dataprev em Pernambuco.
Representantes sindicais do Serpro também pontuaram que a entidade teve lucro de R$ 457 milhões em 2018, além de ter sido premiada como melhor empresa no setor da Indústria Digital no período pela Revista Exame. “Já a Dataprev faz o pagamento mensal de R$ 35 bilhões para os aposentados sem nunca ter atrasado nem um dia, porque tem a responsabilidade de uma empresa pública”, salientou Sheyla Lima.
Outros sistemas geridos pelas duas instituições têm importância estratégica para o País, argumentaram os gestores. As medidas de segurança do atual sistema de emissão de passaportes foram desenvolvidas pelo Serpro, exemplificou o analista de sistema da empresa no Recife Reinaldo de Melo Soares. “Foi a nossa regional que criou a tecnologia implantada em 2008. Será que essas informações, assim como a base de dados de quem entra e sai do Brasil, não são estratégicas?”, questionou o especialista. Ele também citou o uso de serviços do Serpro em investigações do Ministério Público Estadual (MPPE).
Outra questão diz respeito à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que entrará em vigor em agosto de 2020. “A norma prevê que a transferência de dados de qualquer cidadão para outra empresa ou entidade só poderá ser feita com a autorização do titular. Quero ver quem vai liberar duas informações para a iniciativa privada. Isso vai gerar uma enxurrada de ações judiciais”, observou Soares.
Ao final do encontro, Teresa Leitão informou que a Alepe deve participar das mobilizações contra a privatização do Serpro e da Dataprev. “Vamos formalizar uma solicitação para que o assunto seja levado ao Consórcio Nordeste, no qual já há uma preocupação do secretário-geral Carlos Gabas, que foi ministro da Previdência. Também pretendemos fazer um dia nacional de mobilização por essas empresas”, pontuou a deputada. “Precisamos investir na comunicação junto à sociedade, fazendo um contraponto à ideologia do atual Governo, para o qual nada que é público presta.”
Presentes à audiência pública, os deputados federais Carlos Veras (PT-PE) e Túlio Gadelha (PDT-PE) afirmaram que o Governo Federal pretende retirar do Congresso Nacional o debate sobre as privatizações, tentando realizá-las por decreto. “Não vamos abrir mão do poder de legislar e debater esse tema”, registrou Veras. A reunião também teve a participação dos deputados Isaltino Nascimento (PSB), Diogo Moraes (PSB) e Antônio Moraes (PP), que preside o colegiado de Administração Pública da Alepe e abriu os trabalhos.