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Crônica de Ademar Rafael

O INVISÍVEL

A chuva fina que caía em nada incomodou o jovem que dormia sobre um papelão em uma das praças de importante cidade brasileira. Sem coberta, vestindo uma surrada camisa da seleção brasileira de futebol, uma bermuda estampada e um chinelo de dedo.

O barulho das pessoas que começaram a juntar-se em frete a Matriz para assistir a missa campal fez o morador de rua levantar-se da improvisada cama. Reposou o papelão e alguns objetos em um espaço reservado na lateral da principal igreja da cidade e conduzindo uma sacola de supermercado com alguns pertences dirigiu-se para o chafariz público localizado nas imediações da praça onde passara a noite.

Acredito que muitos dos católicos que ocupavam o espaço ignoraram totalmente a presença e os movimentos do jovem. Esta miopia seletiva que usamos em nosso cotidiano expressa a forma que encaramos a rotina dos moradores de rua. Na realidade não os enxergamos, não os cumprimentamos e muito pouco fazemos em seu favor.

Enquanto escutava a homilia do Bispo deixei-me dominar por um sentimento que carrego comigo e que versa sobre nosso egoísmo e nossa capacidade de convivermos com o sofrimento alheio sem movermos uma minúscula palha para abrandar o dor dos excluídos.

Julgo que somente no dia que tivermos a capacidade de sentar ao lado de um morador da rua, com ele conversar e tentar levá-lo de volta para seu ambiente familiar estaremos agindo na forma indicada por Cristo em diversas oportunidades. Enquanto acharmos que o fenômeno da exclusão social é normal muitos continuarão invisíveis aos nossos olhos.

Da mesma forma que os demais católicos, após a missa, segui na procissão. Contudo, a cena observada no início da manhã ficou martelando em minha mente. Para evitar a omissão total escrevi esta crônica para uma reflexão coletiva. Que esta narrativa nos auxilie na nobre missão de nunca ignoramos a presença e as necessidades de semelhantes, curando nossa miopia social.


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