Vô Luiz
E o Senhor descansou.
Lutou, fez o que pode, fez valer aquela expressão de Euclides da Cunha que diz que “o sertanejo, antes de tudo, é um forte”.
Vou tentar, em poucas palavras, prestar uma singela homenagem, e tenho certeza que daí de cima o Senhor vai ouvir tudo que está sendo dito aqui neste momento.
Primeiramente eu gostaria de tentar externar o tamanho da alegria, privilégio e honra que eu sinto em carregar o seu nome: LUIZ (eu bem que tinha que ter algum privilégio por ser o primeiro neto e ainda ser o primeiro neto homem).
Como é satisfatório, não só para mim, como também para todos os seus netos e bisneto serem conhecidos na cidade, e fora dela, além de pelos nossos nomes, também por:
– Essas são os netos de Seu Luiz;
– Esse são os netos do Professor Luiz Alves.
Como era bom chegar em Afogados da Ingazeira e encontrar o Senhor, geralmente no terraço da casa, lendo o jornal, fazendo palavras cruzadas ou simplesmente sentando olhando pro nada.
Como era bom chegar e dizer: “bença vô”, escutando, em seguida, um sincero “Deus te abençoe”.
Como era bom chegar para o Senhor perguntando a hora de ir para o sítio e a resposta ser: “Vamos de três horas da tarde”.
Como era bom ir ao sítio desde pequeno com Senhor, fosse à hora que fosse, seja 05h da manhã para pegar leite ou os peixes que foram pescados, seja à tarde para subir serra, descer serra, contar cabra, andar, ou simplesmente para ficar deitado na rede do terraço.
E quando o senhor foi nos ensinar dirigir? Dois moleques que mal sabiam ligar o carro e o Senhor, com toda a paciência do mundo, nos levava para o sítio ou para aquele campo por trás do Vianão para aprender a dirigir.
Acho que todos nós aprendemos a dirigir no bom e velho jipe amarelo.
Como era bom chegar em Afogados da Ingazeira e o Senhor sempre preparar um bode guisado para a gente comer, ou então quando o Senhor ia para Recife que o Senhor sempre levava um pernil de bode ou de carneiro, já temperado para mim.
Vô, o Senhor sempre foi uma pessoa de paz, conciliadora, respeitadora, nunca vi o Senhor levantar uma mão, levantar o tom de voz, o mínimo que seja, sempre soube dialogar, sempre foi extremamente inteligente, sabendo de tudo um pouco.
Na minha formatura do curso de Direito, tive o prazer de usar o anel da sua formatura.
Depois de passada as solenidades, quando fui devolvê-lo, o Senhor disse que eu podia ficar.
Vô, eu posso não ter deixado claro na época, mas tenha certeza que foi um dos melhores presentes que ganhei na vida.
Sempre que o Senhor vinha para Recife ou nós íamos para Afogados da Ingazeira, o Senhor perguntava como estavam nossos estudos, seja na época de colégio, faculdade ou estudando para concurso público.
O Senhor viu seu neto virar Delegado no Estado da Bahia, Estado este que lhe acolheu uma parte da vida.
E quanto a mim, sempre que perguntava e eu dizia que continuava estudando, o Senhor respondia: “estude meu filho, o que é seu está guardado”.
Vô, como era bom sentar com o Senhor e passar horas e horas escutando as mais diversas histórias (leia-se: as artes) de painho ou dos meus tios de quando eles eram jovens.
Como era bom sentar com o Senhor para assistir a um filme de guerra e antes do filme começar, ter uma aula de história.
Como era bom sentar com o Senhor para assistir um filme de ação, daqueles bem mentirosos e ouvir o Senhor falar: “eita filme mentiroso da bexiga”.
Como era bom falar de futebol e ter uma aula a respeito de como ele era antigamente. Como era bom conversar sobre o Santa Cruz e ouvir o Senhor dizer: “Pense num time ruim. É melhor ficar com as memórias da época de títulos do que ter raiva com esse elenco.”
Como era bom sentar e ouvir as histórias de suas viagens pela Bahia, passando pelas cidades que eu acabei conhecendo graças a minha profissão.
Vô, o Senhor foi, o Senhor é e o Senhor sempre será um exemplo de homem, pai, marido, avô, amigo, conselheiro, professor.
Eu falo com toda certeza do mundo, se eu conseguir ser uma pequena parte do que o Senhor foi, estarei satisfeito.
Durante o seu velório, tive diversas provas do grande homem que o Senhor é, porque não tinha uma pessoa que passasse por mim ou por algum familiar que viesse com uma lembrança de como o Senhor era bom, de como o Senhor ajudou alguém de todas as maneiras possíveis.
Fiquei extremamente orgulhoso em ver tantas pessoas que saíram de vários locais diferentes, que foram até a Câmara dos Vereadores para prestar uma última homenagem ao Senhor.
É Vô, o Senhor descansou em paz, ficam as memórias, as histórias que o Senhor contava, as recordações de tudo que passamos juntos, as risadas que dávamos, todos os aprendizados que tivemos e que levaremos para sempre em nossas vidas.
E encerro esse texto com as primeiras e últimas palavras que eu sempre usava quando lhe encontrava ou quando a gente se despedia: “Bença vô?”.
Recife, 17 de Janeiro de 2019
Luiz Antônio Nunes dos Santos – Advogado
João Henrique Nunes dos Santos – Delegado de Polícia