Pela primeira vez, foram eleitas, formalmente, dez mulheres para ocupar as cadeiras da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Sem contar mais quatro “eleitas” do Juntas, que pretendem fazer o primeiro mandato coletivo na Casa de Joaquim Nabuco (ver matéria ao lado). Mas esse número não chega nem à metade das 49 cadeiras da Casa. A atual legislatura tem cinco deputadas, incluindo uma que assumiu por ser suplente. Ou seja, dobrará a quantidade de deputadas eleitas, comparando com o pleito de 2014. E não é somente em termos numéricos que as escolhidas prometem fazer a diferença. Elas vão introduzir uma prática que é a razão de ser da democracia: a diversidade. A Alepe terá representantes que nas suas profissões de origem são empresária, jornalistas, ambulante, apresentadora de rádio, publicitária, professoras, entre outras. Outra marca da última eleição: duas mulheres ficaram entre as deputadas mais votadas. Para a Alepe, a delegada Gleide Ângelo (PSB) obteve 412,6 mil votos. À Câmara Federal, Marília Arraes (PT) superou os 193,1 mil votos, alcançando o 2º lugar entre as 25 cadeiras pernambucanas.
A obrigação dos partidos de alocar ao menos 30% dos recursos originados dos fundos eleitoral e partidário em candidaturas femininas fez a diferença. “Essa cota viabilizou a campanha deste ano. Na eleição anterior, tivemos mais dificuldades”, comenta a deputada estadual Priscila Krause (DEM), que se reelegeu. “Me sinto duplamente vitoriosa, pela renovação do meu mandato e por causa de uma maior representatividade feminina na Alepe. Cada mulher a mais é um conjunto de possibilidades, independente do partido e da ideologia”, conta. Antes de chegar à Alepe, Priscila passou por três mandatos como vereadora do Recife. Em alguns momentos, foi a única mulher entre os eleitos. Ela diz que entrou na política por “uma influência doméstica” e também por “vocação”.
É filha do ex-governador Gustavo Krause (DEM), mas já impõe marca própria, fazendo denúncias importantes e embasadas. “Está se consolidando a ideia de que a política é um espaço das mulheres. Os partidos, de um modo geral, estão considerando importante serem mais igualitários nessa questão. O PT, por exemplo, tem um programa chamado Elas por Elas, de estímulo às candidaturas femininas, que ofereceu às marinheiras de primeira viagem assessoria contábil, jurídica e mídia trainning. A obrigatoriedade dos 30% também ajudou as candidatas”, diz Teresa Leitão (PT), que se elegeu pela quarta vez consecutiva para a Alepe.
Ela conseguiu recursos pela vaquinha virtual, mecanismo pelo qual os candidatos podem arrecadar recursos online, permitido pela legislação eleitoral deste ano. “A minha base não é endinheirada, mas muitos eleitores contribuíram. Foi uma surpresa”, revela.
Marinheira de primeira viagem foi a publicitária Fabíola Cabral (PP), que trabalha com marketing político e é filha do prefeito do Cabo de Santo Agostinho, Lula Cabral (PSB). “Considero um avanço a quantidade de mulheres eleitas para a Alepe, mas é preciso lutar para aumentar a representatividade feminina. O meu pai nunca quis que eu fosse candidata, mas recebi um convite de Eduardo da Fonte (PP) e parti para a campanha, que foi árdua”, revela Fabíola. Foi a primeira vez que ela concorreu.
Também estreando na Alepe, a apresentadora de rádio Clarissa Tércio (PSC) conseguiu se eleger. O que a motivou foi principalmente “a necessidade de eleger representantes da família tradicional”, que nesse caso é “a padrão: com homem, mulher e filhos”. Ela se filou há seis meses no PSC a convite da família Ferreira, também evangélica e da qual fazem parte o deputado estadual André Ferreira (PSC), que se elegeu para a Câmara dos Deputados; o patriarca Manoel Ferreira (PSC), também eleito para a Alepe; e o prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Anderson Ferreira (PR).
BANDEIRAS
Todas as entrevistadas são a favor de bandeiras como o combate à violência contra as mulheres, educação e causas mais ligadas ao social. “Vou poder fazer mais por elas”, disse a delegada Gleide Ângelo no dia da vitória. Fabíola Cabral, Teresa Leitão, Priscila Krause, Clarissa Tércio, a professora Dulcicleide Amorim (PT) e as cinco eleitas pelo Juntas já mostraram que vão se posicionar a favor de projetos que contribuam para diminuir o preconceito contra a mulher e reduzir a violência de gênero. “É preciso lutar para que as mulheres entendam que no primeiro passo – que pode ser um grito ou um empurrão – elas têm que pedir ajuda e socorro para evitar chegar ao extremo, que é o feminicídio”, resume Fabíola Cabral, acrescentando que essa pauta estará muito presente, inclusive por causa da votação expressiva recebida por Gleide Ângelo.
A legislatura que conseguiu eleger mais mulheres antes dessa foi a de 2002, quando oito deputadas foram consagradas pelas urnas. Até aquele ano, somente nove mulheres haviam sido eleitas para ocupar as cadeiras da Alepe. A primeira deputada estadual em Pernambuco foi Adalgisa Cavalcanti, eleita em 1947.
CÂMARA DOS DEPUTADOS
Em toda a história da Câmara dos Deputados, apenas quatro mulheres ocuparam cadeiras da Casa representando o Estado de Pernambuco. Dessas, três conseguiram se eleger: Cristina Tavares, Ana Arraes – atualmente ministra do Tribunal de Contas da União (TCU) – e Luciana Santos (PCdoB). A quarta, Creuza Pereira (PSB), era suplente e chegou a atuar na Casa por dois anos.
A deputada federal Luciana Santos (PCdoB) está no seu segundo mandato e foi a primeira mulher eleita vice-governadora do Estado. “As mulheres têm um papel real na sociedade, que precisa se transportar para o âmbito das decisões políticas para refletir em ações que possam superar as desigualdades que ainda são brutais”, diz Luciana. A quinta deputada federal por Pernambuco será Marília Arraes (PT).
Um mandato que vale por cinco
A união faz a força. Foi apostando nisso que cinco mulheres tiveram a iniciativa de se candidatar num mandato coletivo à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Juntas (PSOL) foi o nome que apareceu na urna e conquistou os votos de 39.175 pernambucanos. A titular do mandato é a ambulante Jo Cavalcanti, já que a candidatura foi registrada no nome dela na Justiça Eleitoral. O Juntas conta com a participação de mais quatro “eleitas”: a jornalista Carol Vergolino, a estudante de Letras Joelma Carla, a professora da rede estadual Kátia Cunha e a advogada Robeyoncé Lima, a primeira mulher trans que vai participar de um mandato na Alepe.
As histórias de vida delas são completamente diferentes, incluindo quem já morou em palafitas, como é o caso de Jo Cavalcanti; pessoas de classe média e até filha de um economista reconhecido, como Carol Vergolino. O que elas têm em comum é a militância no PSOL. Por causa disso, participaram de várias capacitações oferecidas pela legenda e, deste modo, tomaram conhecimento de mandatos coletivos, entre outras práticas – não tão convencionais – que estão sendo experimentadas pelo Brasil afora.
Mas como vai ocorrer um mandato coletivo na prática? “Não vamos fazer nada sem a decisão coletiva”, alega Jo. É ela quem vai falar na tribuna da Alepe e votar, já que a candidatura foi registrada no nome dela. No entanto, as cinco vão se reunir e chegar a um consenso que será expressado por Jo nas votações do Plenário.
Ainda na adrenalina da vitória e sem o conhecimento exato de como será a prática do dia a dia, Jo vai receber o salário de parlamentar, e as quatro vão receber salários de assessoras parlamentares. Como a proposta é que seja tudo igual entre as cinco, a diferença do salário de parlamentar para o de assessora será colocada em um fundo para que o mandato possa bancar algumas iniciativas “em construção”, que ainda não estão definidas. Elas não souberam dizer quanto é o salário de deputado estadual nem o de assessor.
Atualmente, o vencimento de um deputado estadual – sem as verbas extras – é de R$ 25,3 mil. “A nossa intenção é todos os dias estarmos na Alepe e nos revezar no final de semana para participar dos movimentos. Vamos trabalhar os 365 dias do ano”, afirma a jornalista Carol Vergolino.
As bandeiras defendidas por elas incluem várias das outras parlamentares dessa legislatura, como aumentar a representatividade da mulher e agir a favor de projetos que diminuam a violência – incluindo contra a mulher. “Quando a gente se junta, é mais forte contra a opressão. Homens e mulheres são iguais no direito, mas até hoje não é essa a prática”, diz Robeyoncé Lima, que trabalha como técnica administrativa na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A estudante Joelma Carla diz que o grupo deseja “dar voz a quem nunca teve. Construir políticas públicas que incluam o interior, porque lá falta oportunidade na área de educação, transporte, entre outras”. Educação também é uma bandeira prioritária para Kátia Cunha, que é professora de educação física em Igarassu, no Grande Recife.
O Juntas também têm em comum o fato de pretender conciliar suas trajetórias profissionais com o mandato da Alepe por acharem que a função de deputado não é profissão.
O coletivo local se inspirou em outras experiências que já ocorreram, como a Gabinetona, que resultou na atuação de Aurea Carolina e Cida Falabella em Belo Horizonte nas eleições de 2016. Elas dividem um gabinete da Câmara de Vereadores da capital mineira. A última eleição contou com o registro de 11 candidaturas coletivas distribuídas por São Paulo, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Paraná, além da iniciativa pernambucana.
A assessoria de imprensa da Alepe informa que o acordo entre as cinco candidatas é informal e que, formalmente, é considerada deputada eleita Jo Cavalcanti, que registrou a candidatura no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE). “Um dos nossos desafios é mudar o regimento da Alepe para que a chapa coletiva seja reconhecida”, diz Jo.
“Juntas foi uma inovação reconhecida por mais de 39 mil pessoas que nos deram os seus votos”, alega Carol Vergolino, com a intenção de que novas formas de mandato sejam reconhecidas pela Casa de Joaquim Nabuco. Elas também conseguiram cerca de R$ 20 mil em doações via vaquinha virtual – mecanismo que permite a doação de pessoa física pela internet – e receberam R$ 24,6 mil do fundo que banca as eleições pelos partidos.
HISTÓRIA
A Avenida Conde da Boa Vista, Centro do Recife, é o local de trabalho de Jo Cavalcanti, que vive de comércio informal e é moradora do Morro da Conceição, na Zona Norte da Capital. “Nos horários livres da Assembleia, continuarei por lá”, diz.
Atualmente, ela mora em uma casa de “herdeiros”, mas não tem o título de posse da propriedade. Ela faz parte do MTST, movimento que defende os sem-teto. “Já morei na maré dos Coelhos por sete anos. Minha casa foi incendiada e tive que sair de lá. Vejo muita gente morando de forma desumana. É por isso que participo desse movimento”, conta.
Com o ensino médio completo, ela entrou para os quadros do PSOL em 2016. Na época, nem planejava ser deputada, mas dizia que queria fazer algo pelas pessoas, principalmente aquelas em situação parecida. “A gente está precisando de lideranças novas, oxigenar os espaços da política. Não pretendo fazer carreira política, mas em Pernambuco tem que acabar a política como cargo de trabalho eterno, que passa de pai para filho”, opina.