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MOTORISTA DERRROTA O PREFEITO CHEFE EM IGUARACY

zeinhaDo mesmo chão esturricado e da mesma pátria de mãos calejadas que levaram o cantor e compositor Maciel Melo, filho mais ilustre da terra, a buscar inspiração para o seu “Caboclo sonhador”, o voto livre e democrático da pequena Iguaracy, a 365 km do Recife, gerou um dos maiores fenômenos das eleições municipais deste ano no País: José Torres Lopes Filho, o Zeinha, 49 anos, como é conhecido o prefeito eleito pelo PSB no segundo menor colégio eleitoral do Sertão do Pajeú.

Uma peculiaridade o distingue dos demais eleitos. É motorista concursado da Prefeitura Municipal e desbancou o seu chefe, o prefeito Francisco Dessoles (PTB), aplicado ao velho e surrado modelo coronelista de governar. Na região do Pajeú, uma das mais miseráveis do Estado, atingida por uma seca que já se estende por mais de cinco anos, a vitória de um político simples, de poucas letras, virou o assunto mais comentado dos últimos dias, se constituindo na maior surpresa saída das urnas.

Embora esteja no quarto mandato de vereador, tendo sido vice-prefeito em 2008 e também já assumido a direção do hospital local, Zeinha nunca largou o volante da única ambulância do município, cumprindo o duro ofício de transportar pacientes para os hospitais regionais de Afogados da Ingazeira, Arcoverde e até Recife, em casos considerados mais graves, o que é, na verdade, uma grande rotina no Sertão devido à precariedade dos serviços prestados pelo Estado na rede pública de saúde.

Tanto que, após ser eleito no último dia 2, Zeinha soube que estava escalado para o plantão do dia seguinte, festejou a vitória até tarde da noite, mas se apresentou às sete da manhã para o expediente normal de trabalho como motorista. “Chegando à garagem, um colega fez a troca de plantão comigo e disse que era o seu presente pela minha eleição”, relembra. Nas urnas, no dia anterior, ele havia batido o prefeito por uma diferença de 661 votos.

Em números reais, teve 3.830 votos, 54,72% do total apurado, enquanto o prefeito, que tentava a reeleição, obteve 3.169 votos (45,28%). Em 34 seções espalhadas no município, brancos somaram 99 e nulos 406. Houve ainda uma abstenção de 17,5% do eleitorado. Ter virado prefeito não foi uma façanha fácil para Zeinha. Na região do Pajeú, berço de poetas, trovadores e de tradições eleições acirradas, o prefeito Francisco Dessoles estava reeleito na boca do povo e nas pesquisas encomendadas pelo seu partido, o PTB, do senador Armando Monteiro Neto.

Até porque havia voltado ao poder em 2012, quatro anos depois de governar o município por dois mandatos e bancado com o seu poderio a eleição do bem avaliado prefeito Albérico Cordeiro, de quem tomou na marra o direito da reeleição na mesma eleição. O mesmo Albérico, que não pôde enfrentar o velho aliado que virou adversário, passou para o palanque de Zeinha, puxado pelo também ex-prefeito Pedro Alves, médico conceituado, que já governou o município e que não disputou pela oposição porque teve que se submeter a uma cirurgia no start da campanha.

“Estávamos decididos a apoiar doutor Pedro, mas este foi arrastado para a mesa de cirurgia. Procurei o nosso grupo político e disse que alguém teria que enfrentar o coronel (Dessoles) e que estava colocando meu nome à disposição”, disse Zeinha, que acabou sendo aclamado o candidato de uma aliança encabeçada pelo PSB e integrada pelo PMDB, PV, PHS e PT, tendo como candidato a vice-prefeito o próprio Pedro Alves, mesmo tendo este se submetido a um tratamento de saúde.

Na campanha, o motorista que passou a perseguir o poder assistiu a uma campanha suja, agressiva e preconceituosa pelo fato de não ter um anel de doutor. “O prefeito e seus aliados diziam que a gente era lama. Diziam que eu não podia ser prefeito porque não tinha sequer uma casa própria para morar”, afirmou Zeinha.

Segundo ele, outra temática que prevaleceu foi a da campanha do milhão contra o tostão. “A oposição de não passa de lama pra gente pisar, diziam eles”, lembra o prefeito eleito, para acrescentar: “Isso inspirou o cantor Maciel Melo, nosso aliado, a compor o jingle da nossa campanha com o mote de que lama é água e água, portanto, é vida”.

No embate, o povo adotou Zeinha com o slogan “Eu quero o liso, não quero o barãozinho”, numa referência ao prefeito. Monstro sagrado em sua terra natal, Maciel Melo, que nunca havia se envolvido em questiúnculas políticas no berço do seu batismo, abraçou a causa de corpo e alma, sendo uma figura importante na campanha da oposição, a ponto de fazer caminhadas e discursos em palanque.

“Vou voltar a cantar na minha terra, que vai sepultar o coronel Saruê”, dizia Maciel, que durante o reinado de Dessoles nunca teve o direito e a alegria de fazer shows para seus conterrâneos na festa de São Sebastião, em janeiro, a mais tradicional do município. Natural de Jabitacá, distrito e segunda maior zona eleitoral do município, localizada a 18 km do centro, Zeinha encantou o povo, mas só não conseguiu agregar toda a sua família em torno do projeto de governar Iguaracy.

chicoChico Torres, seu irmão vereador reeleito, por ironia do destino, ficou longe do seu palanque, optando pela aliança adversária, sustentada no mote da reeleição do prefeito. “Ele já estava na base do prefeito e eu não quis contrariá-lo”, garante Zeinha. Nem mesmo os conselhos do prefeito demoveram Chico de se opor ao irmão. “Eu disse a Chico que se eu fosse ele não votaria contra um irmão, mas ele insistiu”, afirma o prefeito Dessoles.

Se não contou com o irmão ao lado, Zeinha passou a ter um diferencial em sua campanha: Mary Delanea, sua esposa, diretora da 10ª Gerência Regional de Saúde – Geres – em Afogados da Ingazeira. Seu braço direito não chegou ao cargo da maior estrutura do Governo do Estado que cuida da saúde da população do Pajeú por obra do acaso ou apadrinhamento político. Na função desde o segundo mandato do ex-governador Eduardo Campos, ela foi nomeada por meio de seleção pública, tanto na primeira vez quanto na reeleição, agora no Governo Paulo Câmara.

“Dei uma forcinha”, brinca Mary, que esteve presente em todos os momentos decisivos do embate eleitoral. Em Jabitacá, segunda maior zona eleitoral do município, Zeinha saiu das urnas com 481 votos de frente. Também foi o mais votado no povoado de Catingueira e na sede, perdendo apenas no distrito de Irajaí. “Só perdi em cinco urnas”, garante o prefeito eleito, lembrando que conseguiu atrair facilmente o apoio do eleitor jovem e dos mais esclarecidos também pelo que considera o fator rejeição à gestão do prefeito.

“Dessoles, que parecia imbatível, cometeu muitos erros, entre os quais o de tentar incutir na população a ideia de que eu, por ser uma pessoa simples e sem formação superior, não teria condições de administrar o município. Chegou a dizer que não se podia entregar a Prefeitura a uma pessoa que não tinha a menor noção em gestão pública e que precisaria fazer um curso para aprender a administrar a cidade”, afirmou.

“Jabitacá botou Zeinha, seu filho ilustre, no coração. Aqui, as caminhadas e comícios atraiam multidões e já nos davam a certeza de que a vitória era nossa”, relata o ex-vereador Janduí Nunes, que teve quatro mandatos e não quis tentar este ano mais uma vaga no parlamento municipal. Para ele, o prefeito perdeu a eleição pela soberba.

“Dessoles achava que não perdia a eleição para um motorista, mas o que prevaleceu também foi a sua alta rejeição. Ele não fez um bom governo desta vez”, disse, parara acrescentar: “O que a gente ouvia aqui nas ruas era o seguinte: o povo quer o liso, não quer o barãozinho”. O trabalhador braçal José de Bia, encontrado dando duro numa obra em meio a um sol abrasador, revelou orgulhoso por Jabitacá passar a ter agora um filho prefeito. “Zeinha é humilde e humano, vai nos representar com muita honra”, disse.

O distrito em que Zeinha nasceu e mora é pobre e sem infraestrura. Não tem sequer um posto bancário ou uma lotérica para seus 5,1 mil moradores pagarem suas contas de égua e energia. Já bem próximo à divisa com a Paraíba, através do município de Monteiro, seu maior drama, a falta de água nas torneiras, foi resolvido com a consolidação do projeto da Adutora do Pajeú, que traz água do rio São Francisco para vários municípios da região. (Por Magno Martins)


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