Chegou ao fim o mais longo processo de cassação da história da Câmara dos Deputados. Após mais de 10 meses, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve seu mandato cassado por quebra de decoro parlamentar, viu seus aliados se afastarem e teve sua cassação aprovada por 450 votos a favor e dez contra. O ex-presidente da Casa foi acusado de mentir na CPI da Petrobras, em 2015, ao negar ser titular de contas no exterior.
Cunha, de 57 anos, ficará inelegível por oito anos a partir do fim do mandato, proibido de disputar eleições até 2026 – assim, poderá se candidatar novamente aos 67 anos. Ele também perde o foro privilegiado, o direito de ser processado e julgado apenas no Supremo Tribunal Federal (STF).
Com isso, os inquéritos e ações que responde na Operação Lava Jato seguirão para a primeira instância da Justiça Federal. O STF que irá decidir se quem assumirá os casos é o juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato no Paraná, ou se os processos serão enviados para outro estado.
O lugar de Cunha na Câmara deve ser ocupado pelo suplente Marquinho Mendes (PMDB-RJ), primeiro na lista da coligação do PMDB nas últimas eleições.
DEFESA
Cunha foi pessoalmente à Câmara se defender. Ele alega que as contas que o acusaram de ter no exterior são trustes, aos quais não tinha acesso nem podia movimentar, e por isso não mentiu na CPI ao dizer não ter contas em outro país.
O ex-presidente da Casa disse que a votação foi “puramente de natureza política”, atacou o PT e afirmou ser vítima de vingança, por ter aceitado o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff.
Cunha também disse que 160 deputados possuem ações ou inquéritos contra eles, e que o que ocorreu com ele poderá ocorrer com todos. “Amanhã, será com qualquer um de vocês”. Após ser cassado, Cunha afirmou que pretende escrever um livro com os bastidores do impeachment. “Tenho boa memória.”
RELATOR
Relator do processo no Conselho de Ética da Câmara, o deputado Marcos Rogério (DEM-RO), reiterou antes da votação que Cunha é dono e beneficiário de contas na Suíça. Segundo ele, há provas de que os trustes, dos quais o acusado alega ser apenas beneficiário, foram usados para “dissimular evasão de divisas, a lavagem de dinheiro e o recebimento de propina”.
Marcos Rogério afirma que o dinheiro no exterior foi recebido por Cunha como propina, decorrente da compra pela Petrobras de um campo de petróleo em Benim, na África. Ele também acusou o deputado cassado de tentar barrar as investigações da Lava Jato.
O PROCESSO
A votação ocorreu 10 meses após o processo ser aberto no Conselho de Ética da Câmara, em novembro de 2015. No mês seguinte, Cunha aceitou um pedido de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff, no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuação do seu processo de cassação.
O caso sofreu diversas reviravoltas, com recursos da defesa e manobras de aliados. O primeiro relator do caso, deputado Fausto Pinato, então no PRB, foi afastado por decisão da Mesa Diretora. Ele chegou a apresentar um relatório recomendando a continuidade do processo, cuja votação foi adiada diversas vezes.
Em maio deste ano, o STF afastou Cunha da presidência da Câmara e suspendeu seu mandato. Em julho, ele renunciou ao cargo de presidente.
O Conselho só votou e aprovou o segundo parecer, também pedindo a cassação de Cunha, em junho. Em seguida, o deputado recorreu à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator, deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF), recomendou a anulação da votação no Conselho de Ética, mas teve seu parecer rejeitado. Só então o processo seguiu para o plenário.
Eleito presidente da Câmara em substituição a Cunha, Rodrigo Maia (DEM-RJ) marcou a votação para depois do fim do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e pouco antes das eleições municipais.
REPERCUSSÃO
Fieis aliados de Cunha, os deputados Carlos Marun (PMDB-MS) e Edson Moreira (PR-MG) foram os únicos a subir à tribuna da Câmara para defender o correligionário. “Eu não sei o que aconteceu [para uma derrota tão expressiva]”, disse Marun após a votação.
Chico Alencar (PSOL-RJ), um dos maiores críticos de Cunha, disse que este é um “pequeno, mas importante passo para o fim da corrupção”. “O Brasil fica melhor sem o Cunha na vida pública”, afirmou. O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), disse que este “foi o fim o mais melancólico que eu já vi na minha vida.”