A Polícia Civil de Pernambuco revelou, nesta segunda-feira (22), que o prefeito de Catende, Otacílio Alves Cordeiro, acusado de desviar R$ 5 milhões em fraudes licitatórias, planejou a morte de uma testemunha. O crime não chegou a ser praticado. Essa foi uma das descobertas da Operação ‘Longa Manus’, que resultou na prisão de três pessoas, na última sexta (19): o filho e secretário de Administração da cidade, o sobrinho do gestor e um coronel reformado da Polícia Militar (PM).
A conclusão do caso foi divulgada durante coletiva de imprensa na sede do Departamento de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Depatri), no bairro de Afogados, Zona Oeste do Recife. A ‘Longa Manus’, expressão do latim que significa ‘braço longo’, é a segunda fase da Operação ‘Tsunami’, que, desde junho, investigava um esquema de fraude em licitações envolvendo o prefeito e servidores municipais. O gestor municipal, que está preso no Centro de Triagem desde julho, deve responder por mais de 50 crimes, que podem somar até 340 anos de detenção.
Segundo a delegada de Crimes contra a Administração e Serviços Públicos (Decasp), Patrícia Domingos, a testemunha tinha fotografado o prefeito descumprindo o mandado de prisão domiciliar. A denúncia fez o gestor ser levado para o Centro de Triagem (Cotel), em Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife (RMR).
“Ele (o prefeito) ficava andando na praça, atendendo eleitores, teria até feito algumas viagens de carro, e a testemunha teria fotografado esses momentos. Com base nisso, numa conversa entre o pai e o filho (do prefeito), Otacílio comenta que ele estava fotografando fora de casa e o filho diz: ‘Olha, a gente tem que dar um jeito nesse cidadão’. E Otacílio fala: ‘É mesmo. Vamos contratar um povo pra dar uma surra nele na frente da cidade inteira pra ver se ele para?’”, relatou a delegada.
Em seguida, de acordo com Domingos, eles teriam planejado com o sobrinho do prefeito contratar duas pessoas para matar o informante. “Eles combinaram de mandar a nossa digníssima testemunha para a ‘cidade do pé junto’ ou botar ‘pra beber água’. Entendemos que isso aí se trata de uma cogitação de homicídio”, afirmou.
Depois, já no presídio, Otacílio teria sido orientado por um médico, arranjado pelo coronel reformado, a fingir alguns problemas de saúde para sair da cadeia. “Ele estava muito incomodado em estar no Cotel e preferia estar no hospital, que ele chamava de hotel, porque lá ele não receberia medicação, teria excelente comida e poderia receber a visita de todo mundo na hora que quisesse”, explicou a investigadora.
O médico teria dito ao prefeito que simulasse um mal estar. “Otacílio cogitava: ‘Doutor, vou dizer que tive uma dor no peito’. Aí ele dizia: ‘Dor no peito não, porque o médico vai fazer um eletrocardiograma, vai ver que não tem nada, e te libera. Diz que está com uma dor generalizada, e ele vai ter que fazer uma série de exames para poder te liberar’”, detalhou. Domingos revelou ainda que o gestor permaneceu duas semanas na unidade. O médico não foi preso e seu envolvimento será investigado.
Outra tentativa de atrapalhar o inquérito diz respeito à defesa do prefeito, que, na última apreensão, teria ocultado cerca de R$ 300 mil. O dinheiro foi transferido para o escritório de advocacia que o representa. “Esse valor estava na conta bancária da filha da empregada do prefeito. Ela era uma das laranjas. Isso foi uma burla à medida de sequestro judicial (que determinou o sequestro dos bens do acusado). Esses R$ 300 mil são oriundos das fraudes perpetradas”, contou Domingos.
Além disso, os três detidos, com a ajuda de um funcionário terceirizado da prefeitura, teriam tentado substituir um documento do acusado para ajudá-lo no processo. “Havia um documento que, de alguma forma, prejudicava a situação de Otacílio em conseguir voltar à prisão domiciliar e, após a segunda prisão, essas pessoas conseguiram um outro documento que seria benéfico para ele. Esse funcionário esperaria que o motorista se distraísse, pegaria o volume do processo e arrancaria a página”, disse a investigadora.
Segundo a polícia, o filho e o sobrinho de Otacílio foram conduzidos para o Cotel e o coronel reformado, para o Centro de Reeducação da Polícia Militar (Creed). Eles serão indiciados pelos crimes de organização criminosa e embaraço à investigação. O G1 tentou entrar em contato com os advogados do prefeito, mas ainda não obteve sucesso.
Tsunami
Além das tentativas de travar o andamento das investigações, a Polícia Civil também anunciou a conclusão do inquérito da Operação Tsunami. Para o delegado Izaías Novaes, também da Decasp, o prefeito de Catende comandava todo o esquema. “Tudo passava por ele. Tudo era a mando dele”, afirmou.
Além de Otacílio, os dois filhos — um deles, secretário de Finanças, já havia sido preso em junho — e a primeira-dama foram indiciados por crimes licitatórios, organização criminosa e desvio de verbas. “Nesse momento, com a conclusão, foram indiciadas 30 pessoas, mas ainda há uma parte da investigação, referente à lavagem de dinheiro, então certamente outras pessoas serão indiciadas”, falou o delegado.
Ainda de acordo com Novaes, Otacílio Cordeiro vai responder por mais de 20 crimes licitatórios. “Além do crime de responsabilidade e organização criminosa. Então, só o prefeito cometeu mais de 50 crimes no total. As penas dele podem chegar a 340 anos de prisão”, informou.(Do G1 PE)