Aberto recentemente no velho sobrado dos Góis, em Afogados da Ingazeira, onde morou minha inesquecível professora de Francês, Letícia Campos Góis, que nos obrigava a cantar a Marselhesa em pé, perfilados, com o mesmo sentimento de respeito ao Hino Nacional, o restaurante Casa de Bobó criou um espaço de saudável memória, para a juventude se espelhar nos grandes cidadãos da terra amada.
Foi lá que me deparei, dentre outras, com a figura de José de Sá Maranhão, o “seu” Zezito Sá, pai do meu amigo Júnior Finfa, que trabalhou comigo no blog e hoje, com seu próprio espaço na internet, cuida de noticiar as coisas do meu berço natal. Olhei atentamente para o seu retrato e fiz uma viagem no túnel do tempo.
Colega de trabalho do meu pai, Zezito Sá era servidor federal dos Correios e Telégrafos e como tal espalhava notícias em forma de telegramas, copiados pela sua letra inconfundível, zelosa e caprichada. Adolescente em Afogados da Ingazeira, fiz um estágio forçado nos Correios. Muitas vezes sem tempo para chegar pontualmente ao local de trabalho por causa do seu comércio de miudezas, meu pai me enviava na frente para ajudar Zezito Sá no recebimento de cartas e telegramas.
“Seu” Zezito não gostava, fechava a cara já sisuda que tinha, me chamava de intruso, dava-me carões, mas logo abria um sorriso, como se nada tivesse acontecido, e começava a me agradar. O agrado vinha pelo ensinamento. Didaticamente, passava o bê-á-bá das suas obrigações de telegrafista e quando não havia mais nenhuma alma viva querendo mandar notícias para os seus entes queridos em São Paulo metia a falar de política.
Crítico voraz das coisas erradas, metódico, se irritava com uma simples carta postada com o valor do selo não adequado. Como o filho Finfa, que herdou o seu nome – José de Sá Maranhão Júnior – viajava nas notícias, extremamente bem informado. Sabia de todas as fofocas que se passavam na província. Devorador de jornais, “comia”, literalmente, o velho Diário de Pernambuco, único jornal que chegava aos nossos lares. Mas não metia a mão no bolso. Pegava carona na assinatura do meu pai.
Mão-de-vaca? As más línguas diziam! Há quem achasse, no entanto, que “seu” Zezito fosse um chato. Eu, não. Compreendia o mundo que o cercava e, curioso, pesquisando suas origens, descobri que os detentores de Sá procedem de João Afonso de Sá, vassalo do rei D. Afonso IV e do rei D. João I, Senhor da Quinta de Sá, povoado existente no termo de Guimarães, onde é o solar deste sobrenome.
Na Europa medieval, antes que um sistema estruturado de sobre nomes fosse estabelecido, era prática comum o uso de um segundo nome, o qual servia como meio de distinguir pessoas que possuíam o mesmo nome de batismo. Com relação ao sobrenome Sá, derivado da Quinta de Sá, localizada no distrito de Guimarães, local de origem dessa família, uma das antigas referências a esse nome ou uma variante é o registro de João Rodrigues de Sá, nobre e militar português, falecido em 1390.
O sangue militar, portanto, corria nas veias de Zezito Sá, daí, muitas vezes, ser incompreendido por quem não o conhecia na intimidade. Zezito, na verdade, se orgulhava dos Sá. Portadores notáveis do sobrenome Sá citava, na ponta da língua, João de Sá, descobridor português; Mem de Sá, nobre, conquistador e governador português no Brasil; Estácio de Sá, militar e conquistador português no Brasil, Salvador Correia de Sá, militar português que prestou grande serviço no Brasil e em Angola.
As armas e o brasão dos Sá do Brasil foram concedidos já no Brasil pelas autoridades portuguesas por serviços prestados na colonização. O livro “Fazenda Panela D`Água – Genealogia dos séculos XVII-XX”, de Marlindo Pires Leite (1994), traz dados sobre a família Sá. Relata que o princípio da família é bastante nebuloso, assim como a origem do apelido, que é da natureza geográfica e que uns autores definem como do solar a Quinta de Sá, no termo de Guimarães e outros assinalam em lugares diferentes.
Parece que da série de gerações que se podem dar como mais prováveis, o ascendente de maior antiguidade que se conhece é Rodrigo Anes de Sá, casado com D. Maria Rodrigues de Avelar, pais de Paio Rodrigues de Sá, que se diz ter vivido no reinado de D. Diniz e que era muito herdado no conselho de Latões.
“Seu” Zezito, portanto, tinha razão de se orgulhar dos Sá. E sua geração dele. Fez muitos amigos e admiradores, pela sua prosa adorável, sua cultura autodidata, sua retidão. Era um homem de bem, apaixonado pelo seu trabalho, pela sua gente e o Sertão. Mais do que isso, devotado à família, que dizia ser o seu maior patrimônio.
Deus o chamou muito cedo, deixando-nos muito saudosos. Ficou um tremendo vácuo. Toda separação é triste e a que é forçada pela morte é mais triste ainda. Mas guardo memórias de tempos felizes e nela mora a saudade.
Por isso que, ao rever “seu” Zezito numa bela fotografia exposta ao público num restaurante, lembrei-me do que aprendi com Rubem Alves: “Aquilo que está escrito no coração não necessita de agendas, porque a gente não esquece nunca. O que a memória ama fica eterno”.
Por: Magno Martins