Não por acaso, o cunhado de Zé Pequeno, hoje aos 85 anos, o convidou para conhecer Altemar Dutra. Boêmio que era, o construtor já costumava ser presença confirmada nas farras familiares, sempre aos finais de semana, no bairro de Jardim Atlântico, em Olinda; mas, desta vez, a presença de um ilustre visitante na festa foi o marco zero de uma amizade que se estenderia do final dos anos 1970 até os últimos anos de vida do cantor e compositor romântico, falecido em 1983, em decorrência de um Acidente Vascular Cerebral, durante apresentação na boate novaiorquina El Continente. Entre as canções mais famosas do cantor mineiro, estão Brigas, Meu Velho, Hino ao Amor.
As memórias de Zé Pequeno foram mencionadas enquanto ele balançava em sua rede, recorrendo às vezes à memória de seu filho, o comerciante Duda Pequeno, que cresceu vivendo e ouvindo as histórias da amizade de seu pai com Altemar. Na casa de veraneio que o pai possuía na beira-mar de Rio Doce, também em Olinda, os dias de sexta-feira, sábado e domingo eram reservado às confraternizações etílicas e, pelo menos uma vez por mês, a passagem do cantor pela cidade abrilhantava os encontros.
https://youtu.be/8a7_8_HB6n0
Uma dos causos que Zé Pequeno costuma contar é da vez que, voltando de um show na Paraíba ao lado de Altemar e o empresário Lima, o pneu do carro furou e precisaram recorrer ao mecânico. “Lima foi buscar o pneu”, conta ele, “A gente ouviu um violão tocando num povoadozinho. Um violão e os bebuns cantando. A Lima foi ajeitar o pneu e a gente foi lá no violão, cheio de cana. A gente foi pra lá, os camaradas ficaram olhando pra gente, tudo admirado. Tinha um camarada que reconheceu Altemar, de um show no Recife. Ele disse: ‘me diga uma coisa, o senhor é Altemar Dutra?’ Aí começou a cachaça até amanhecer o dia.”
O carro, a bebida e as mulheres estavam entre as paixões que os amigos compartilhavam na estrada e nas noites pernambucanas. De acordo com Zé, certa vez, em um dos shows que acompanhou o amigo, o contratante não tinha como pagar. “Ele não ia perder, então perguntou se podia ficar com a caminhonete que estava encostada na garagem da casa, que pertencia ao pai do contratante”, diz. Eles voltaram para Olinda dirigindo uma Chevrolet azul, posteriormente pintada de vermelho com inscrição “Sentimental Demais”, título de uma de suas músicas mais famosas.
Com Altemar Dutra Junior, a amizade de Duda se refez há sete anos. “Eu estava ouvindo o programa do (radialista) Samir Habou Hana, quando soube que ele viria se apresentar no Recife. Liguei pra Rádio e deixei meu número, me identificando como o filho de Zé Pequeno; e, poucos minutos depois ele retornou”, conta. Desde então, sempre que o herdeiro de Altemar Dutra vem por aqui, os encontros entre os filhos dos velhos amigos ocorrem na capital pernambucana.
Vez ou outra, Altemarzinho – como chamam Altemar Jr. – dá o ar da graça na casa da família, hoje na beira-mar da praia do Janga, onde é possível encontrar um rico acervo de Altemar Dutra contendo LPs, CDs, antigas fotografias dos áureos tempos de boemia pernambucana e até figurino (roupas, sapatos, relógio e jóias). A caminhonete Sentimental Demais foi mandada de volta pela cegonha, para a também cantora Matha Mendonça, viúva de Altemar, pouco tempo depois da morte do “Rei do Bolero”. (Karol Pacheco-JC)