Há muitos anos, um poeta amigo enviou-me um CD de um caboclo da Paraíba, chamado Jessier Quirino. De cara, descobri que o arquiteto das palavras – filho da Borborema- havia criado algo diferente das coisas até então publicadas. Os principais destaques eram: “Vou-me embora pro passado” e “Comício de beco estreito”.
Posteriormente, conheci o autor em programas televisivos e, pessoalmente, em um evento do Banco do Brasil, em Salvador (BA). Tenho, atualmente, as seguintes publicações do filho de Campina Grande: “Prosa Morena”, “Agruras da lata d’água”, “Papel de Bodega” e “Berro Novo”. O segundo tem a seguinte dedicatória, datada de abril de 2003: “Para Ademar, uma lata d’água encabrestada na nordestinidade matuta.
Esta crônica com certo atraso apresenta a leitura que faço sobre este artista nordestino que, com vocabulário extraído do cotidiano da “mututice”, encanta todos que têm acesso aos seus trabalhos.
Na orelha de “Berro Novo”, com a sua reconhecida eloquência, Bráulio Tavares, entre outras ponderações, escreve: “O que distingue o matuto (e nisso a poesia de Jessier é exemplar) é a sua capacidade fabulatória de criar historinhas do nada, e alegorias a partir dos menores acontecimentos…”. Como na obra de Quirino transbordam tais alegorias, sua riqueza cultural é sem limites.
Da mesma forma que Jorge Amado e Dias Gomes imortalizaram dizeres e personagens regionais, Jessier imortalizará suas “crias” e o linguajar que traduz o pensamento de cada um deles, disto não tenho nenhuma dúvida.
Os personagens “Mané Cabelim”, “Biu das Quenga”, “Severino Abufelado” e tantos outros quando forem levados para o cinema ou para seriados da televisão, ocuparão espaços com a mesma intensidade que “Zeca Diabo”, “Odorico Paraguaçu” e “Vadinho” ocuparam.
O diálogo “Sabatina feita com um matuto presidente de banco de feira”, inserido no livro “Prosa Morena”, é um texto tão verdadeiro e completo que deveria ser lido todos os dias nas escolas e por nossos governantes.
Tenho uma ligeira desconfiança que a prática utilizada por Jessier Quirino de juntar um CD a cada livro, foi a forma encontrada para que os analfabetos pudessem ter acesso as suas produções e é derivada do método empregado pelos vendedores de cordel que liam os folhetos nas feiras livres do Sertão.
Ler ou ouvir Jessier Quirino, é conviver com a sabedoria do sertanejo recitada em formato único, cujos detalhes são observados com uma densidade
incomum a linguagem que, de forma sutil, ultrapassa o convencional. Tudo é “cagado e cuspido paisagem do interior”.
Por: Ademar Rafael