Todos os dias, 120 orelhões, em média, desaparecem das ruas do país. Levantamento feito pelo G1 com base nos dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostra que em dez anos o Brasil perdeu um terço dos aparelhos. Eram 1,3 milhão em 2004. Hoje, existem 875 mil.
Isso significa que há 4,3 orelhões para cada mil habitantes, perto do mínimo exigido pelo último plano geral de metas para universalização (4 a cada mil), em vigor desde 2011 e válido até 2015.
O número de orelhões, no entanto, deve despencar ainda mais. Isso porque há uma pressão das teles para que a meta do próximo plano para o período 2016-2020 seja de apenas um aparelho para cada mil habitantes no país.
O plano de universalização é um conjunto de obrigações a que estão sujeitas as concessionárias do serviço de telefonia fixa prestado em regime público, que têm como objetivo dar a qualquer pessoa acesso ao serviço de telecomunicações, independentemente da localização e da condição socioeconômica.
O edital do novo plano deve ser colocado em consulta pública no final de junho, de acordo com a Anatel. A agência diz que a quantidade (e a densidade) de orelhões, entretanto, ainda está em estudo.
Entidades de defesa do consumidor criticam a intenção de se reduzir os aparelhos. “Os orelhões são essenciais, principalmente para a camada da população que pouco acesso tem à telefonia fixa. O problema é que, como estão em péssimo estado, essa parcela acaba contratando planos de telefonia pré-paga, que são muito mais caros, para poder se comunicar”, afirma a coordenadora institucional do Proteste, Maria Inês Dolci. “O intrigante é que os orelhões foram pensados para trazer qualidade para o serviço público. Ao reduzir o número de aparelhos, essa responsabilidade das empresas, que deviam estar cuidando, mantendo-os ativos e repondo os quebrados, é retirada.”
O ex-ministro das Comunicações e consultor da Órion, Juarez Quadros, também considera a possibilidade de redução de um a cada mil “ousada demais”. “Que haja alguma redução, mas não nesse nível, que eu acho muito acentuada”, diz. “Em certos momentos, trata-se de um serviço que ainda supre uma necessidade. Na hora em que a pessoa quer falar e não tem crédito acaba recorrendo a um orelhão. Uma pessoa que teve o celular roubado, o que é muito comum de acontecer, se não tiver algum conhecido próximo, também acaba correndo para um orelhão. E, às vezes, não vai encontrar, ou quando encontra ele está com defeito.”
De acordo com dados atualizados da própria Anatel, cerca de 15% dos orelhões estão em manutenção e, portanto, fora de funcionamento.
Segundo Maria Inês, “as empresas têm o dever de cuidar do patrimônio e não têm feito isso”. Quadros concorda e diz que o alto custo é um dos motivos para a pressão pela redução. “O orelhão tem um ônus de manutenção muito alto em função do vandalismo. As empresas têm que fazer uma manutenção adequada em grande parte dos terminais. Isso faz com que haja uma despesa acentuada e a relação custo-benefício não é propícia para manter a planta instalada nas vias públicas”, afirma.
Para o analista da consultoria Teleco Eduardo Tude, os custos da manutenção se somam ao magro faturamento obtido com a baixa utilização dos orelhões. “A receita líquida mensal de um orelhão, que há uns três anos estava na faixa de R$ 40, R$ 50, hoje caiu para R$ 4. Passou a ser um décimo do que era antes. Isso tornou o orelhão altamente deficitário.”
Para o novo plano que está em discussão, uma das propostas da área técnica da Anatel é que a redução na planta não seja linear em todo o país, como ocorreu nas revisões de 2003, 2006 e 2011. Locais em que o uso dos orelhões é maior, por exemplo, poderão perder menos aparelhos, enquanto as localidades com baixo uso, onde normalmente há uma oferta maior de operadoras de telefonia móvel, deverão sofrer uma diminuição mais acentuada.
A coordenadora institucional do Proteste diz que o ideal era que áreas com urbanização mais precária tivessem pelo menos sete telefones públicos para cada mil pessoas e próximos um do outro. “A telefonia fixa, no geral, foi negligenciada. Não há interesse das empresas em manter os serviços, que não são lucrativos.”
A área técnica da Anatel também deve propor no próximo plano geral de metas que, como contrapartida à redução dos orelhões, as empresas reduzam a tarifa básica do telefone fixo.