O discurso e a prática
É comum vermos autoridades fazerem votos de pobreza em público e conviverem com excessos de mordomias no ciclo familiar e entre amigos. As figuras abaixo optaram pela rota da coerência entre o discurso e a prática.
Frei Damião, italiano que virou nordestino, agia da forma que pregava. Na minha infância várias vezes assisti Tia Lula, sua anfitriã em Jabitacá, ordenando que fossem retirados todos os móveis do quarto onde ele permaneceria durante as missões. De forma brilhante Geraldo Amâncio e Ivanildo Vila Nova assim o definiram: “Só a religião ama/não quer saber de dinheiro/um tijolo é o travesseiro/o cimento é sua cama/ele sofre e não reclama/uma tábua é seu colchão/quando ele almoça é um pão/quando janta é um café/o mensageiro da fé/é nosso Frei Damião.”
Ao ser ordenado Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia – MT, às margens do Rio Araguaia, o espanhol Dom Pedro Casaldáliga trocou a mitra por um chapéu de palha, o báculo por um remo de pau Brasil e o anel episcopal por um anel de tucum. Enfrentou tudo e muito mais de forma altiva vivendo em um local cercado pela simplicidade e sem qualquer vestígio de luxo. Sua identificação com a luta em defesa dos povos da região faz dele um nativo da faixa de terra que liga o Cerrado à Amazônia Legal.
O Papa Francisco rejeitou a suntuosidade dos aposentos oficiais, dispensou o trono papal, recusou a estola bordada a ouro em seus trajes e seguiu calçando o velho e surrado sapato preto que usava em missões nas comunidades carentes – na sua Argentina -, abriu mão do crucifixo cravejado de pedras preciosas e não quis o anel de ouro. Tem dado demonstração que os gestos acima estão longe de uma jogada de marketing, são marcas que coloca em prática de forma espontânea e compatível com seu austero discurso.
Muitas autoridades do Brasil e do mundo pregam uma coisa e fazem outra. Alguns mudam tanto que pedem que esqueçam o que escreveram. A coerência entre a fala e os atos dos três religiosos acima poderia inspirar seus pares, membros de várias congregações que mandam fazer o que não fazem.
Por: Ademar Rafael