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ESPAÇO DO INTERNAUTA

A FLOR DO PAJEÚ

Estive há pouco numa cidade que eu ainda não conhecia. Fazia tempo que queria ir até lá, sempre ouvi falar de seus encantos, o clima gostoso, bem frio, em contraste com a região em que está incrustrada – o sertão do Pajeú -, a paisagem, com cachoeiras incríveis, e uma lagoa bem no meio da cidade. Não fica tão longe assim de Recife, onde moro. São 402 km de distância. De carro, 6 horas. Já fui mais longe que isso dirigindo. Mas, embora sempre desejasse ir, faltava oportunidade. Ou faltava decisão.

A cidade faz parte do Circuito do Frio. Eu já tinha ido aos festivais de todas as outras cidades do circuito: Garanhuns, Gravatá, Psqueira, Taquaritinga, para ver a efervecência cultural, as pessoas de diferentes tribos passeando, as propostas diversas, e os shows também. Chegava antes pra ver a cidade ainda calma, mas já entrando num bulício interessante, num movimento ritualístico. A essas cidades também já tinha ido em outros contextos para descansar e descobrir seus recantos preciosos. Faltava Triunfo.

Fui a Triunfo em época de calmaria e pude ver a cidade como ela realmente é. Estava num grupo pequeno – 7 pessoas, das quais 3 ainda não conhecia: um casal e uma amiga deles. Eu me apaixonei completamente pela cidade. Sabe aquele encantamento e a sensação de algo maior crescendo dentro da gente? Foi isso que eu senti. Íamos subindo a serra e meus olhos íam se deliciando, à medida que minha expectativa aumentava. Quando entramos na cidade, parecia que estava entrando em outra dimensão. É uma cidade simples, tranquila, mas há nela uma atmosfera diferente, alguma coisa que ainda não havia sentido em outros lugares aonde fui.

Ficamos numa pousada de freiras, muito conhecida na região, a Pousada Santa Elizabeth. Não é sofisticada, mas extremamente agradável. Um café da manhã que me lembrou os que eu tomava na chácara de minha avó, em Igarassu, onde ela morava, e onde brincava com meus primos, tirando fruta do pé: manga, caju, sapoti, maracujá açú, pitanga, carambola… E araçá. Havia sempre geleia de araçá na casa de minha avó. Quando acordo na primeira manhã em Triunfo e vou com os amigos tomar o café da manhã, encontro aromas e sabores diversos, e entre eles geleia de araçá. Aquele café da manhã tinha o sabor da minha infância.

Fizemos os passeios tradicionais. Fomos às cachoeiras, uma delas, a Cachoeira das Pingas, tem um conjunto de duas quedas: a primeira forma uma piscina e nela tomamos um banho delicioso, a segunda tem uma queda de 50m – do alto, uma cena deslumbrante: avistamos, extasiados, parte do vale do Pajeú; visitamos uma caverna chamada Furna dos Holandeses, conhecemos a gruta de João Neco – uma figura folclórica, que nos recebe carinhosamente de foice na mão; a gruta tem um poço de 20m, com uma água límpida, construído em 1932; fomos também a um engenho onde conhecemos o processo de fabricação desde a chegada da cana-de-açúcar até o processo final com as fornalhas de rapadura e os barris de envelhecimento da bebida, e onde também encontramos uma bodega, para comprar cachaça branca e envelhecida, licor de cana e rapadura de diversos sabores; fomos ao Pico do Papagaio, a 1.260m de altura – o teto de Pernambuco, com um mirante natural de beleza indescritível; compramos café torradinho na hora (o sabor do café moído e torrado na hora e adoçado com rapadura não tem igual); fizemos todas as trilhas a bordo da rural de seu Antônio e, por último, passeamos de teleférico. Enfim, vivemos nosso momento de turistas.
Mas, depois disso, fui andar pela cidade, subindo e descendo as ruas, sentando nas praças, conversando com as pessoas, sempre muito hospitaleiras e amáveis. Numa noite, assisti a um festival de repente, promovido por um bar local e que aconteceu no meio de uma praça superaconchegante. Fiquei um tempo sentada em frente à lagoa, agasalhada do frio de 14º. Aquela paisagem me pareceu mágica. Fiquei pensando que parte dessa magia se devia àquela água, geradora de vida, como toda água, em sua fecundidade emergente.

Sonhei com um lugar assim para morar. Talvez futuramente…

Mas outra coisa também me passou pela cabeça, em meio aos devaneios: por que passei tanto tempo para ir a um lugar a que há muito desejava ir e que, realmente, me proporcionou tantos bons momentos, a ponto de desejar revivê-los e fazer planos com eles? Por que adiamos certas coisas em nossas vidas? Não estamos prontos? Não é o momento? Temos outras coisas mais importantes para fazer?

O interessante é que tomei a decisão de ir num impulso. Não tinha planejado tudo. Apenas deixei acontecer. Numa noite, conversando com amigos, soube que iriam a Triunfo. Comentei: “tenho tanta vontade de conhecer!”. Eles me perguntaram: “Por que não vai com a gente?”. E eu disse: “Por que não?”. E fui.

Algumas vezes precisamos desses impulsos. Não quero dizer que devemos ser irresponsáveis. Mas não podemos planejar 100% a nossa vida. Nem é saudável isso. Às vezes é preciso deixar fluir, apenas permitir que as coisas aconteçam. É preciso correr o risco de ser feliz. Nietzsche nos segreda algo importante: “é preciso perder-se quando queremos aprender algo das coisas que nós próprios não somos”. Será o medo da descoberta, do novo, e do novo em nós, o que nos impede de nos lançar mais na vida?

Podemos ter duas posturas antagônicas diante de nossos sonhos, desejos, aspirações: ir atrás deles, com energia e paixão, ou deixar que eles escorram por entre os dedos, como água a descer pelo ralo. Talvez, entre tantas sensações terríveis que é possível ter, a que sentimos ao perceber que perdemos a oportunidade de fazer algo que verdadeiramente amamos é a mais doída.

Woddy Allen, no filme Crimes e Pecados, diz uma fala que me fez pensar: “somos a somas de nossas decisões”. Sejamos, então, como propõe Pessoa, grandes por sermos inteiros, por colocarmos tudo de nós em cada coisa que fazemos, por nos permitir arriscar e crescer, por desejar e buscar sermos felizes, por saber manter nossa essência, na medida em que buscamos novas cores para nossa existência, já que, como nos diz Clarice Lispector: “sou sempre a mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre”.

Por: Ana Paula Sobreira
Recife-PE


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