A psicologia trata de investigar as origens dos seres humanos para encontrar explicações para o que são ou o que foram. A ciência, essa maravilhosa ferramenta de saber e poder inventada pelos homens nos ensina, por sua vez, que para compreender qualquer coisa, é preciso que se vá até as suas causas, as suas origens.
As vozes de todas as criaturas podem ser ouvidas na voz de um rio. Ouvi pela primeira vez a voz do ex-deputado Josezito Padilha, que partiu ontem para a eternidade, na beira do rio Pajeú, em Afogados da Ingazeira.
E dali, sem ser psicólogo, compreendi perfeitamente que o rio que ensinou ele a escutar, num tronco de uma árvore ao cair da noite, não o ensinou a ser manso.
Voz do Pajeú na Assembleia Legislativa banida pela revolução, Josezito era um político destemido, corajoso, de temperamento explosivo e pavio curto, que não cedia quando estavam em jogo os interesses coletivos e o País.
Daqueles que não engoliam desaforo, valente, que impunha medo e respeito. Não tinha cara carrancuda – e nem precisava. Bastavam seus olhos esbugalhados, que assustavam, principalmente quando contrariado e colérico.
Não o conheci no parlamento, atuando em defesa de nossa gente sertaneja. Quando cassado, eu era garoto. Minha relação com ele e sua família vem do meu pai Gastão, em Afogados da Ingazeira, de quem era aliado, correligionário, parceiro, companheiro de todas as horas do bom combate político.
Josezito e papai eram fraternais amigos, irmãos. Militaram juntos por muito tempo e juntos combateram a ditadura. O destino os separou a partir do episódio que levou o deputado a se exilar no Uruguai por 14 anos.
Foi um tempo curtido pela saudade e recordações. Recordações para o meu pai, de quem ouvi estórias das bravuras de Josezito sem fazer a menor ideia da sua afoiteza, muito maior do que imaginava. Eduardo Monteiro, velho amigo dele, bem definiu, ontem, no velório. “Nunca conheci homem tão destemido”.
Na volta, depois de tanto tempo num País em que recebeu a mão estendida do seu ídolo, o guerreiro Leonel Brizola, beneficiado pela lei da anistia, o primeiro político que Josesito procurou em Afogados da Ingazeira foi meu pai.
E dele recebeu, sem pestanejar, apoio para tentar resgatar o seu mandato na Assembleia numa campanha que, infelizmente, não fora bem sucedida. Mas que serviu para reinseri-lo no contexto dos novos tempos da política estadual.
Embora com tamanha afinidade, Josezito e papai eram extremamente diferentes, no trato, na relação e na forma de enxergar o mundo. O primeiro, brigão por natureza; o segundo, conciliador.
Talvez por isso tenham se irmanado tanto. Na verdade, não eram apenas amigos e irmãos. Eram compadres. O sonho de Josezito era ter visto meu pai, que teve quatro mandatos de vereador e um de vice-prefeito, prefeito de Afogados da Ingazeira.
Mas o tempo não se encarregou disso. Josezito, como o meu pai, tinha outra face: fora da política, era um pai amoroso, devotado à família, carinhoso e apaixonado pelas coisas boas da vida.
Apreciador da boa mesa, adorava receber amigos para um papo molhado a um bom escocês. Intelectual refinado, louco e alucinado por política, colocou o seu mandato a serviço do País, discutindo às questões nacionais, não se prendendo apenas ao regionalismo.
Aliado incondicional de Brizola, combateu como um soldado que vai à guerra a ditadura militar, conspirando dia e noite, às vezes disfarçado, para banir o regime que ceifou vidas, reprimiu direitos e pôs um fim à liberdade.
Soube, ontem, no seu enterro, pela filha Margareth, que deu o último suspiro ouvindo Olavo Bilac. Tenho certeza que o gosto de Josesito pela poesia se deu pelo rio que ensinou ele a escutar: o Pajeú, dele, do meu pai e meu.
Como todo poeta, como também o era – tinha o dom de declamar uma legião de imortais da literatura – Josezito ouvia a água do Pajeú em silêncio, água que para ele não era só agua, mas a voz da vida, a voz do ser, da transformação eterna.
Por Magno Martins