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Carta a um velho amigo

Caro Antônio,

Não tem sido fácil viver sem a tua companhia. O primeiro ano do teu voo celestial passou feito uma nuvem, que muda de lugar com o vento em segundos. Foi rápido, mas dolorido. Sem você por aqui, a saudade tem sido como aquele verso de Antônio Pereira, que tanto recitavas na mesa de um bar quando a dor da saudade do nosso Sertão dava um nó no coração.

A saudade é um parafuso
que quando a rosca cai
só entra se for torcendo
porque batendo não vai.
Mas quando enferruja dentro
nem distorcendo não sai.

Aqui, temos boas notícias para você. Me recuperei do pesadelo do pânico que te abalou tanto, como se eu fosse um filho do ventre de tua Aldenice. Magno Martins Filho e João Pedro, teus netos xodós, estão a cada dia mais lindos, sapecas e maravilhosos.

Teu neto e filho adotivo Alain Filho não te esquece um só momento. Fostes para ele não apenas um avô, mas um pai, um grande amigo. Serás o espelho até o último dia da sua vida. Ele é um menino lindo, que resgatamos das carrancas do São Francisco para os teus braços e o colo de Aldenice.

Tua filha amada Aline, que dizia ser cópia fiel de tua herança política, uma Antônio de saia, continua cumprindo tua missão sacerdotal aqui na terra de servir sem ser servida, como vereadora do Recife. Segue no mesmo caminho, dando o pouco do que tem aos que nada têm.

Vestiu como você a sandália da humildade, mas sempre recorre a uma bota de sete léguas para chegar aos seus no Sertão. Sempre te enxergou e reverenciou como um pai que deu muito amor.

O amor que ela sente por ti só um poeta como Chico Buarque seria possível desvendar: “O meu amor tem um jeito manso que é só seu, que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos com tantos segredos lindos e inesquecíveis”.

Como você, Aline tem um coração do tamanho do mundo. Drummond dizia que tinha duas mãos e o sentimento do mundo. O coração dela é igual ao seu: não sabe dizer um não, estende a compaixão aos desvalidos, combate o bom combate eclesiástico.

Também trago noticias de Aldenice, de uma fé inabalável, que te enamorou nos anos doces da vida como doce são as águas do rio Pajeú. Chora todos os dias de saudade. Mas crente no Salvador Jesus, sabe que tu divides aí com tantos poetas, repentistas e aboiadores os manjás da vida eterna.

Já teus filhos Antônio, Allan e Alane, tudo começando com a letra a no batismo e na certidão, sugestão dada por ti a Aldenice, continuam exibindo ao mundo as lições de vida que tu ensinastes: respeitar ao próximo como a ti mesmo, zelar pelos bons costumes e serem descentes.

Igualmente, teus irmãos Maria de Lourdes, Geneva, Niza, Heleno, Iracilda, Elias, Irenilda (Galega), Iracy, Júnior e Denilson continuam te reverenciando como o maior líder da família. Aquele que se fez gente, saindo das brenhas do sítio São João, para dar dignidade também aos irmãos amados, nunca deixará, para eles, de ser um símbolo vivo, como o mandacaru está para o sertão.

Por fim, Antônio, gostaria de dizer que vivemos o primeiro dia dos pais sem ti. Foi um vazio enorme. Olhávamos ao nosso redor e não víamos aquela imensa mesa de filhos, genros, noras, netos e agregados que você adorava reunir para te paparicar, ouvir teus versos e aboios.

Quanta falta você faz! A vida bem que poderia ter sido diferente pra ti. Tu eras tão bom que Deus deveria ter sido mais generoso: ter te feito da costela de Matsusalém, para que a gente tivesse a felicidade de ter a tua companhia quase que eterna aqui na passagem pela terra e os mares.

Hoje, um ano do adeus a ti, vamos nos ajoelhar perante Deus, no Recife e em Afogados da Ingazeira, para agradecer a generosa bondade de te abrir as portas do céu e estender o tapete vermelho do teu ingresso vestido de chapéu de couro, gibão e perneiras.

Por: Magno Martins


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