Voltei
A ansiedade abalava-me os nervos, espantava-me o sono, roubava-me a esperança e comecei a admitir que, alvez, nunca mais voltaria à minha cidade natal. Nunca mais mesmo. E essa suposição horrenda mexia com minhas emoções, deixa-me, em certos momentos, com um vazio dentro do peito. Os novos amigos, minha esposa,
meus colegas de trabalho asseveravam que eu não havia suplantado o homem interiorano que habita dentro de mim. Eles estavam certos. Ocorre que eu não sabia como fazer para esquecer minha origem, nem queria que isso ocorresse. Sentia-me bem, apesar de tudo, com as lembranças do meu passado.
Cheguei a crer, em determinados momentos, que era justamente essa lembrança dos tempos vividos no meu querido burgo que me dava força para vencer as agruras diárias, nesta cidade estranha.
Sem vício algum, nem fumo, nem bebida, nem festa, restavam-me as recordações, a leitura e a necessidade de escrever. Não sou um eremita propriamente, mas um homem só, dentro do apartamento, a ouvir o barulho da mulher e dos filhos a conversar na sala e nos quartos. É a solidão no seu estado mais puro. Talvez não fosse
solidão, mas carência.
Finalmente chegou o dia da viagem, de voltar à minha terra amada, ao salutar convívio com os amigos e parentes.
Tantas vezes ansiei por este momento, sonhei tanto com essa viagem, talvez tenha sido isso meu sofrimento diário. Cheguei, até, a pensar que essa jornada não iria acontecer, de tanto que a desejei. Nós não admitimos que a falta de esperança é o abrigo dos fracos, dos que não têm força para seguir em frente, de lutar, de aguardar que o tempo resolva sua equação própria. Não admitimos, mas é verdade.
E quando avistei minha cidade adiante, não queria crer que estivesse de volta. Que grata e terna satisfação! Que momento de supremo êxtase!
A rua onde morei, os vizinhos, os amigos, tudo era motivo de festa e alegria. Vivenciei dias maravilhosos, inesquecíveis, de grande felicidade.
Mas o carnaval passou rápido, muito rápido, e tive de fazer a viagem em sentido contrário. A alma sensibilizada ao avesso. A emoção a ressumar meus olhos espantados pela saudade antecipada. Um vazio enorme dentro do peito. Um gosto amargo na boca e a amargura se aninhando no meu coração sáfaro. Então compreendi porque a quarta-feira e dita de cinzas.
Por: Milton Gilberto de Oliveira