Geração distribuída contra os apagões
Independente das explicações oficiais, o fato é que o novo apagão no Nordeste do País expõe novamente às dúvidas a confiabilidade dos sistemas, da gerência e da política energética governamentais frente a acidentes de qualquer natureza.
No final do ano passado, li que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estimava que o setor elétrico deveria investir R$ 268,8 bilhões até 2021 para evitar o risco de apagões. O País precisaria gastar cerca de R$ 213 bilhões para construir usinas capazes de gerar 65,4 mil MW ou seis hidrelétricas de Belo Monte. E precisará desembolsar outros R$ 55,8 bilhões em 47,7 mil quilômetros de linhas de transmissão, algo equivalente a instalar oito linhões de transmissão de energia ligando o Oiapoque (AP) ao Chuí (RS).
Nossos números são grandes, porque o País é imenso e complexo, mas o governo pensa e planeja pequeno com as viseiras de andar em trilhas modestas. Considerando o crescimento previsto da demanda de energia, as limitações de ampliação das fontes hidrelétricas de grande porte e os altos custos – inclusive ambientais – de acudir nossas carências com usinas termoelétricas, precisamos encarar seriamente a geração distribuída (GD) como complemento tático de oferta para o abastecimento energético do País.
A GD oferece importantes benefícios ao sistema elétrico, aos consumidores, ao meio ambiente e aos produtores porque se dá principalmente junto aos pontos de demanda e assim emerge como relevante mecanismo de eficiência energética, descentralizando a geração e utilizando fontes complementares que estão à disposição, especialmente da biomassa sucroenergética, da cogeração a gás natural e solar, das pequenas centrais hidrelétricas. No final das contas, pode aliviar os riscos operacionais e de fornecimento energético do sistema nacional.
Governo, empresários, pesquisadores e formuladores de políticas concordam que é preciso posicionar os projetos do setor no centro das atenções, mas as barreiras política e de regulação são os maiores entraves para o desenvolvimento da geração distribuída e da cogeração de energia, apesar da legislação (Lei 10.848) sobre o assunto vigorar há cerca de 10 anos.
No início de agosto, o presidente da EPE Maurício Tolmasquim teceu loas à geração energética distribuída. Disse que é vantajosa “porque atende à demanda com diferentes estratégias, além de postergar investimentos em expansão do sistema, reduzir perdas na rede, aumentar a qualidade da energia, manter a modicidade tarifária no longo prazo e emitir poucos gases poluentes”. O discurso é bom, mas temos pedras no caminho que o governo se recusa a enxergar e enfrentar.
A governança do setor de energia é claudicante; a maneira como se estabelecem reajustes e se fixam tarifas é precária; da forma como têm sido estabelecidos, os valores de referência de remuneração da GD não atraem novos investimentos, da mesma forma como ainda é frouxa a norma para auto contratação de GD nos grupos empresariais. Aguarda-se a implementação da resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) sobre a geração distribuída, uma regulamentação definitiva sobre a Lei do gás e definição que inclua o gás natural com destaque na matriz energética nacional. É preciso ampliar o limite de 10% estabelecido na lei para a contratação de GD pelas distribuidoras de energia, como é necessário que o governo estruture leilões regionalizados, por fontes, e dê fortes incentivos ao desenvolvimento de inovações, como as de redes inteligentes (smart grids) para as saturadas estruturas dos grandes aglomerados urbanos brasileiros de modo a evitar, prevenir e minimizar acidentes e apagões que paralisam os serviços essenciais, como de abastecimento de água, comunicações e socorro de grandes populações.
A energia eólica está deslanchando. A conjuntura é favorável ao incremento da energia solar e é bom o cenário que se desenha para o biogás, com o tratamento de resíduos sólidos, vinhaça e outras fontes resultantes dos processos agroindustriais brasileiros.
Ainda há burocracia e impedimentos para que os projetos deslanchem. Não é apenas uma questão de custos e de preços. O governo precisa participar mais do processo e induzir, com intenção, palavras e obras, sem necessariamente centralizar, o bom caminho para riscar do País os episódios frequentes de apagões.
Por: Arnaldo Jardim. Deputado Federal – Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura e membro da Comissão de Minas e Energia.