João Batista de Siqueira, conhecido como Cancão (1912/1982), é uma lenda da poesia sertaneja, até aqui restrita e cultuada entre apologistas deste gênero literários e apegados à cultura de sua região. Embora também fosse dotado do talento do improviso ao baião da viola, Cancão achava-se melhor passando os verso para o papel.
Ele nasceu e viveu em São José do Egito, na região do Pajeú, de terras férteis para a poesia. Por ali, entre as fronteiras de Pernambuco e Paraíba, nasceram os mais importantes da cantoria de viola, e da poesia popular. Algo que foi fartamente constatado, mas pouco explicado. Cancão está entre estes fenômenos inexplicável da poesia.
Publicou três livros – Musa sertaneja, Flores do Pajeú e Meu lugarejo, todos fora de catálogo. Não são raridades bibliográficas porque a Universidade Federal da Paraíba publicou a trinca de livros em 2007. A Cepe, na coleção Letra Pernambucana, reedita a obra de Cancão, acrescida de poemas inéditos. Relança também três livros de Liêdo Maranhão, na série Terra Pernambucana, hoje, às 11h, no Mercado da Madalena.
O livro de Cancão foi organizado pelos especialistas Ésio Rafael, Marcos Passos e Lindolfo Campos. Conterrâneo de Cancão, Passos, produtor cultural e também poeta, diz que a ideia veio da edição paraibana de Cancão, lançada sob o nome de Palavras ao plenilúnio: “Lá pela década de 1950, Cancão cantou de improviso, mas viu que o talento que tinha mesmo era pra escrever. Foi quando fez seus três livros. O primeiro Mussa sertanejas, em 1967; depois Flores do Pajeú, 1969, e finalmente Meu lugarejo, em 1979. Com base neste livro, solicitei a Lindoaldo Júnior, que os compilou e acrescentou os poemas inéditos de Cancão, na edição paraibana. Foram organizados na ordem cronológica, conservando os prefácios originais”, explica Passos.
Como a obra de Cancão tem sido mais declamada do que comentada em artigos, ensaios, ou livros sobre ele, o prefácio poderiam ser mais esclarecedores: “De Cancão já se disse muito. É pouco. De Cancão se dirá muito mais. Será sempre pouco. Decerto se dirá que Cancão é poeta grande, dos maiores. Aí segue uma dupla confissão a respeito do alumbramento que seu estro provoca mas também do desconhecimento quanto à natureza de ambos, de Cancão e da poesia”, diz o texto, de autoria de Lindolfo Campos. Ratifica apenas que ele escreve bem. Mas nada diz sobre Cancão.
Mais objetivo é Aleixo Leite Filho, que assina o prefácio da primeira edição de Flores do Pajeú, Aqui está Cancão. “Homem rústico, semianalfabeto, de profissão agricultor, cuja maior honraria foi ter sido nomeado Oficial de Justiça, depois de maduro, na cidadezinha nata… Quando não está sentado pelos cartórios ou em alguma bodega tomando um trago de cachaça, está cumprindo seu sacerdócio ao derramar para o papel esta enormidade de versos que, em relação à sua pessoa de homem simples, pobre, mal vestido, feioso, de rosto dopado de menino chorão e ate meio tolo, e uma causa que só se pode atribuir aos desígnios da providência”.
“Eram seis horas ainda/ já a tarde enegrecia/ uma nostalgia infinda/ no cemitério caía/ o sol além se deitava/ no horizonte ocultava/ sua derradeira luz/ as borboletas pequenas/ dormiam nas açucenas/ das sombras e cada cruz”, escreveu em de Seis horas no cemitério, do citado Flores do Pajeú. Para os leigos na obra de João Batista de Siqueira, recomenda-se ler antes dos poemas o ensaio curto Cantador sertanejo, prefácio à primeira edição de Musa sertaneja, de Ulysses Lins de Albuquerque: “São versos simples, mas harmoniosos, delicados no estilo antigo – fieis à rima e ao metro, pois é assim que os sertanejos entendem ser a poesia – à feição dos de Casimiro de Abreu e Fagundes Varela, os únicos poetas, talvez, que João Batista de Siqueira tenha lido. Isto posto, é mergulhar nos versão de Cancão, simples mas que, surpreendem, como o sertão: oásis, águas frescas, que surgem onde se espera só monotonia na paisagem”.
Por: José Teles – Jornal do Comércio