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CRÔNICA DE ADEMAR RAFAEL

RAFAELGANGORRA.

Em 2000, a pedido de uma professora de português em Barreiras – Bahia, escrevi um ensaio monográfico sobre o setor agrícola no Oeste baiano.

A inspiração para o texto surgiu do ditado popular “Na briga entre o mar o rochedo quem morre é o siri”. O mar, representando o competitivo mercado de grãos, lutava bravamente pela redução de impostos, via incentivos fiscais; o rochedo, no papel do Estado defendia sua enorme carga tributária e o siri na pele do produtor pagava a conta.

Após quinze anos voltei à região e encontrei a ”mesma música” tocando. Isto é, nada mudou. As esmagadoras, os exportadores, os produtores de insumos e os especuladores (mar) continuam buscando mecanismos para redução de seus custos e aumento dos lucros; a União, o Estado e os Municípios (rochedo) afiaram suas “garras tributárias” e os agricultores (siri) permanecem assumindo os riscos e continuam reféns do sistema perverso.

Nos dias atuais, de cada dez grãos de soja produzidos no mundo cinco são consumidos pela China e nesta condição os chineses aplicam as regras do mercado mundial e pouco estão preocupados com os estragos nos bolsos dos agricultores.

As condições de pagamento e os preços dos insumos são definidos pela indústria e o preço da soja é atribuído pelos compradores, via bolsa de Chicago. Os agricultores ficam no meio, seus lucros dependem de variáveis sobre as quais eles não exercem qualquer ingerência. Enfrentam bravamente os riscos com estiagens, pragas, relações trabalhistas, escoamento, variação cambial, juros, restrições ambientais, impostos, entre outros.

As esmagadoras e as exportadoras recebem os grãos em suas unidades fabris e nos portos e com riscos infinitamente menores ganham muito dinheiro. Repassam aos agricultores todos os encargos via preço liquido pago.

Durante a minha estadia no Oeste baiano visitei uma área de soja já com os grãos formados. Enquanto contornávamos a lavoura o agricultor desceu do veículo e constatou a infestação de uma praga cujo combate teria que ser imediato sob pena de comprometer a produção.

Como em condições normais neste estágio da planta os únicos custos previstos seriam com colheita e escoamento, o ônus da aplicação do defensivo reduzirá a estreita margem de lucro. O agricultor, diferente da indústria, do comércio e do atravessador, em hipótese alguma repassa para o preço do seu produto os custos extras. Este é o mundo que habita o produtor neste país: para manter o nível de produção que garanta a margem de lucro desejada, enfrenta adversários poderosos no universo real (mar e rochedo),virtual (bolsa de Chicago e mercado de capitais) e da natureza (clima e pragas).

Por: Ademar Rafael


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